sexta-feira, 23 de outubro de 2009

"O realismo dele como presidente é admirável"

Entrevista* - Roberto DaMatta: antropólogo;
para DaMatta, política brasileira se distingue
'por dissolver em ácido todas as ideologias e todo o formalismo partidário'

Para o antropólogo Roberto DaMatta, a afirmação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que, no Brasil, Jesus Cristo teria de se aliar a Judas é a "constatação da face dupla" dos brasileiros.Segundo DaMatta, colunista do Estado, Lula revela "realismo" com sua manifestação, mas faz "demagogia" ao dizer que a oposição, com a eventual chegada à presidência do Senado, faria um "inferno" no País. A seguir, trechos de entrevista concedida ontem, por e-mail:
Como o senhor analisa a declaração do presidente de que, no Brasil, Jesus Cristo "teria de se aliar a Judas"?
Lula tem a virtude de falar claro. Às vezes eu penso que ele não tem inconsciente. De perto, a declaração pode parecer horrível. De longe, é a constatação da nossa face dupla, das nossas cumplicidades com o partido que não ia roubar nem deixar ninguém fazê-lo, mas o fez o mensalão; ressuscitou Sarney e quejandos, tem desmoralizado o Congresso; enfim, o nosso lado que odeia a lei valendo para todos - esse Judas dentro de cada um de nós que não quer mudar o "você sabe com quem está falando?" Já do outro lado há o Jesus dos pobres e dos famintos, dos honestos cordeiros seguidores da lei. O realismo do Lula como presidente é admirável. Estamos vivendo um momento de rotinização do capitalismo liberal e de mercado no Brasil, do qual Lula tem sido um instrumento importante, histórica e politicamente, e daí a reação a esse tipo de constatação. Ou seja: como fazer isso sem, em algum momento, vender sua alma ao diabo, trair um pouco, ter um curinga na manga e um plano B na cabeça, sem mentir ou exagerar e fazer alianças com todo tipo de gente?
Que relação existe entre essa declaração de Lula e o que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso chamava de "utopia do possível"?
Um era professor que se tornou político e presidente; o outro é um populista que tem, como ele mesmo disse, náusea quando lê jornal.
A oposição criticou a declaração do presidente e sua política de alianças. A oposição é mais seletiva ao buscar aliados?
Um dos problemas no nosso "liberalismo" é que não temos partidos políticos e oposição. A política brasileira de distingue por dissolver em ácido todas as ideologias e todo o formalismo partidário. Nela, os laços pessoais passam por cima de quase tudo. E, em nome do possível, do realismo, fazemos tudo e deixamos tudo para o amanhã: esse nosso grande Judas.
Segundo o presidente, o papel da imprensa tem de ser o de informar, não o de fiscalizar. O que o senhor acha dessa declaração?
Como informar é saber e saber é poder, o fiscalizar faz parte do informar. Está implícito nele. Seria preciso ter mais instrução liberal, visto alguns filmes - não vou falar em livro com quem não lê - de John Ford e Frank Capra.
Como o senhor vê a alegação do presidente de que foi preciso defender José Sarney porque a oposição, se assumisse o comando do Senado, faria "um inferno neste País''?
Pura e profunda demagogia.
Na sua opinião, o que explica a popularidade do presidente, mesmo em setores não beneficiados por políticas sociais?
O motivo desta entrevista.
*Reportagem de DANIEL BRAMATTI, Estadão, 23/10/2009

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