sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Deus está morto?

André G. Fernandes*
O período compreendido entre o fim do século XIX e o início da II Guerra Mundial emanou forças que pareciam ameaçar a humanidade numa escala nunca vista antes: o laicismo, de cunho libertino, que proclamava a meta de lutar contra a moral judaico-cristã; o ateísmo, que se nutria do positivismo e do materialismo em suas vertentes (freudismo, darwinismo, marxismo); o cientificismo e a teoria evolucionista que, juntas, lançaram o mito do progresso contínuo e duradouro.
Trata-se de um conjunto de ideologias que se ergueu para proclamar que, após a morte do velho Deus, o homem é deus para si mesmo. E não precisou de muitos anos para esse novo deus revelar sua face demoníaca nos totalitarismos e sua “noção” de misericórdia, sobretudo nos regimes de esquerda, pouco dados a anistia ou a “bolsa-ditadura”. Se fosse possível, matavam de novo, mas sempre em nome de um ideal...
Em 1900, em Weimar, estava um homem à beira da morte. Foi o autor de obras que não tinham despertado eco entre seus pares, mas que, 50 anos depois, iria surgir como o profeta daquelas forças: Nietzsche. Em sua autobiografia, sob o título de Ecce Homo, liam-se estas palavras, embaladas por um misto de orgulho luciferino com angústia existencial:
“Onde está Deus? Eu o vou declarar: matamo-lo — vós e eu! Sim, todos nós somos seus assassinos. Mas como foi que pudemos fazê-lo? Como pudemos nós esvaziar o mar? A envergadura de tal ação não era demasiada para nós? Porque a verdade é que jamais houve ação maior que esta e é por isso que aquele que nos suceder nesta Terra pertencerá a uma história mais alta que toda a história. Deus morreu! E fomos nós que o matamos!”.
Um ano antes, outro personagem de vulto deixava seu legado: o papa Leão XIII, na encíclica Annum sacrum, consagrava a humanidade ao Coração de Jesus, símbolo do amor que Ele tem por todos os homens. Nesta ópera intelectual, que tem como prelúdio o século XIX e como seu poslúdio o século XX, deu-se o embate dessas ideias.
De um lado, a revolta da inteligência e da razão que empurrou Deus para um mausoléu. De outro, o contraponto papal que alertava sobre a existência do elemento transcendente do humano. Há tempos que a história do pensamento humano é a história desse desafio, ainda sem desfecho.
As doutrinas que propagaram a revolta da inteligência não se confinaram aos abstratos limites do pensamento: penetraram na consciência do homem. Foram transportadas por correntes que não faziam parte deste ou daquele sistema de pensamento, mas foram admitidas ou pressupostas por todos e tinham, como denominador comum, o endeusamento da ciência.
Essa nova fé, nascida na época em que se assistiu ao mais prodigioso surto das ciências e das técnicas, só podia ficar maravilhada. A inteligência tem orgulho de si, o que é perfeitamente legítimo, motivo pelo qual o cristianismo reconhece nessa superioridade do homem a prova da semelhança com Deus. Mas, quanto mais esses progressos se firmaram, tanto mais se acentuava a deformação.
Embriagado com os seus triunfos, o homem organizava essa “religião” com seus dogmas, sacerdotes e moral. Dela se esperava um porvir de felicidade. O paraíso era aqui e só a ciência estaria à altura de revelar ao homem a verdade. Só ela o ensinaria a viver. “Já não se acredita nos filósofos!”, exclamava Nietzsche. Mas se confiava, fervorosamente, nos cientistas.
Hoje, depois das câmaras de gás nazistas e das bombas de Hiroshima, muitos espíritos renunciaram a tais ilusões. Depois de milhões de mortos, aprendemos que a ciência estará sempre à altura do valor dos homens. Nunca terá tido tanta atualidade a famosa palavra de Rabelais, citada por João Paulo II, na encíclica Fides et Ratio, a qual fez um aggiornamento deste embate: “Ciência sem consciência não é senão ruína da alma”.
A morte de Deus provocou a morte do homem, perdido e angustiado entre a violência, a perplexidade de uma encruzilhada de caminhos e um futuro incerto.
*André Gonçalves Fernandes é juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Sumaré.
http://cpopular.cosmo.com.br/mostra_noticia.asp?noticia=1652978&area=2190&authent=66434C419273325ED174D3AAE10ACC
Correio Popular, 11/09/2009

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