quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Um blog sob ameaça

Roberto Romano*
Tudo é passível de medida e de matizes. Não existe erro absoluto nem acerto completo nos atos que testemunhamos em sociedade e na vida íntima. Bem diz Erich Auerbach quando afirma ser o convívio humano imensa peça teatral em palco portentoso. Naquele espaço se desenrolam inumeráveis cenas, cada uma com sua essência e personagens. Temos as comédias, os enredos trágicos, burlescos, ridículos, lacrimosos, hipócritas, covardes, astutos, heroicos, santos e danados. Onde reside a verdade? Em todos e também em nenhum dos quadros. Estes últimos não devem ser vistos isoladamente. Os propagandistas, para convencer seus sectários, jogam luz intensa sobre uma ou duas das peças encenadas. Eles reduzem o verdadeiro a uma parte, afastando-a do resto. Ora, afirma o grande crítico literário moderno, “da verdade faz parte toda a verdade”. Jogar na sombra os atos e cenas “inconvenientes” (as que exibem algo que forneça outro colorido ao que é visto sob as luzes do momento) é mister de má-fé. Quantos movimentos políticos, religiosos, culturais estão isentos desta operação mentirosa? Temo que o número dos que assim não procedem não esgotaria os dedos de uma só mão.
É por tal motivo que a censura e o segredo são grandes auxiliares da mentira interessada e interesseira dos ditadores, em ato ou em potência. Quando se proíbe a divulgação de notícias, o intento é o de apagar do palco o contraste que torna verdadeiras ou falsas as figuras nele postas, com o beneplácito dos censores. Felizmente, notícias e frases são apenas e tão somente sinais da cena verdadeira. Apagar a imagem não significa eficaz exorcismo da coisa. Exemplo: se existe uma pandemia, não é proibindo os jornalistas de noticiá-la que se toma atitude prudente e séria. O contrário é mais efetivo. Foi assim no Brasil de Getúlio Vargas, quando o Dipe impunha cenas alvissareiras aos cidadãos e proibia as que eram funéreas. Foi assim na ditadura inaugurada em 1964. Quando uma gravíssima crise de meningite atingiu o país, à imprensa foi vetado divulgar a situação.
Nazistas e comunistas tentaram mudar a realidade, proibindo ou instaurando imagens da ordem política, econômica, bélica, religiosa. É conhecido o truque empregado pelos stalinistas de apagar figuras do Partido, caídas em desgraça. Elas estavam ao lado de Lenine. Depois, Lenine continua ali, eles “somem”, até que entram para a História. A mentira totalitária, mesmo ela, tem pernas curtas, apesar da censura, das chantagens, das intimidações.
Na semana passada falei da censura aos jornais O Estado de São Paulo e A Tarde. Hoje recordo outro meio de comunicação, a internet. No Brasil, uma página que tem se distinguido pela coragem na denúncia dos malefícios públicos, é redigida diariamente por Adriana Vandoni, intelectual de primeira plana. Por trazer aos leitores as cenas escondidas de nosso teatro político, Vandoni recebe ameaças, chantagens, processos.
Agora mesmo ela é pressionada pelo sr. Pagot, figura mais do que conhecida de nosso mundo institucional. Há poucos dias atrás, Vandoni foi levada a uma audiência de conciliação, por ter posto sua opinião sobre a maneira pela qual Pagot conduz os assuntos públicos sob sua responsabilidade. A mera descrição da lamentável audiência, trazida a lume por Adriana Vandoni, causa espanto e pavor, faz temer pelo futuro próximo da liberdade de imprensa (da liberdade...) entre nós. Vandoni é corajosa e não teme as caras feias dos poderosos. Com certeza ela se encontra entre os que não engolem ou digerem palavras, quando rosna este ou aquele coronel. Mas sei bem que, mesmo os corajosos, são vítimas das piores chantagens, das ameaças mais duras contra sua vida e consciência. É por tal motivo que desejo, nesta página, dar a ela a solidariedade dos que ainda se preocupam com a vida pública em nossa terra. Coragem, Adriana Vandoni ! No fim do atual dramalhão político brasileiro cairá a cortina. Quem usa a força nos bastidores sombrios para esconder fatos e opiniões, serão vaiados. Com toda justiça.
*Roberto Romano é professor de Ética e Filosofia Política na Unicamp - Correio Popular, 12/08/2009

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