sábado, 22 de agosto de 2009

Fã de Cristo, mas não do Papa

Rachel Donadio*
Poucos italianos desde Fellini impactaram os EUA da forma como Franco Zeffirelli o fez, desde que iniciou a carreira com Romeu e Julieta até suas produções mais elaboradas no Metropolitan Opera.
– Sou muito amado – comenta Zeffirelli. – Fiz 11 produções de alto nível no Met.
Zeffirelli – ou “mestre”, como é conhecido – tem 86 anos agora, mas parece muito mais jovem, e seus olhos ainda têm um brilho arteiro. Durante décadas, seus filmes – incluindo A megera domada (1967), com Elizabeth Taylor e Richard Burton, e Hamlet (1990), com Mel Gibson – ajudaram a tornar as obras de Shakespeare mais acessíveis. Além disso, suas produções de La bohème, La traviata e outras óperas italianas têm garantido a presença de muitas pessoas no Met, que em 2008 chegou a homenageá-lo com um baile.
No entanto, suas obras têm sido muito criticadas sob a acusação de serem “de mau gosto”, “exageradas” e “pesadas”. Donal Henahan, do New York Times, se referiu à carreira de Zeffirelli como “uma das maiores histórias de excesso dos nossos tempos”.
Visto da Itália – onde menos nunca é mais – o estilo dele parece menos exagerado. Agora mais conservador e extrovertido, Zeffirelli é uma figura central na história da Itália pós-guerra, já que representa uma espécie de intrigante ligação entre os anos de glória de Anna Magnani e Maria Callas, a era Berlusconi e o Vaticano.
Quando lhe perguntaram o que achava do escândalo sexual no qual o primeiro-ministro Silvio Berlusconi se envolveu desde que, em maio, sua esposa anunciou que queria o divórcio, acusandoo de se relacionar com mulheres muito jovens, Zeffirelli comentou ironicamente: “De que escândalo estão falando?”.
– Acho isso uma piada. É ridículo – comenta o diretor. – Sei que Berlusconi é um homem que gosta muito de sair com mulheres. Eu o conheci nos anos 70, quando ele ainda era um galã muito forte e eficiente.
Quando começou, ele era um rapaz muito bonito que não sabia controlar seus impulsos sexuais.
O “mestre” e o primeiro-ministro compartilham um dom para dar espetáculos. Quando Berlusconi foi eleito em 1994, nomeou Zeffirelli como senador e, mais tarde, deu de presente ao diretor a villa onde ele mora atualmente.
Zeffirelli não se importa muito com produções de vanguarda, nem com os críticos que as admiram.
– Eles destruíram a tradição da cultura musical – reclama. – Disseram: “Ah, não podemos fazer Tosca da mesma forma”. mas o público adora.
O italiano culpa os críticos pela redução do público de ópera.
– É como se alguém decidisse que a Capela Sistina está fora de moda. Eles vão lá e fazem mudanças à moda Warhol. E dizem: “Ah, as mudanças não agradam? OK, ótimo, mas vamos mantê-las para as futuras gerações”.
Durante anos, Zefifrelli tentou fazer com que uma fundação em Florença se interessasse em exibir suas obras, bem como o material acumulado em suas produções.
Seu estilo lembra a imponência da Igreja Católica Romana.
Não por acaso ele já coordenou espetáculos para o Vaticano, incluindo uma produção de Beethoven: Missa solemnis, na Basílica de São Pedro, em 1970.
Mas o “mestre” não está completamente entusiasmado com o atual papa, Bento XVI.
– Quando o elegeram, senti que a Igreja estava cometendo um equívoco de imagem – confessa. – A Igreja Católica é outra coisa. É aberta, é teatral, é chamativa. Quando se tem que lidar com o Vaticano, é necessário ser grandioso. Um professor do norte da Alemanha não dá conta disso.
De fato, o ex-cardeal Joseph Ratzinger é um teólogo da Baviera, sul da Alemanha.
–Teologicamente, ele é um homem maravilhoso – diz o cineasta, que em 1977 dirigiu a minissérie de televisão Jesus de Nazaré, e ainda é um católico devoto. – Podem existir ainda algumas dúvidas sobre a Virgem Maria, mas não sobre seu filho.
Como retratado no filme semificcional de 1999, Chá com Mussolini, com Maggie Smith, Joan Plowright e Cher, Zeffirelli, nascido em 1923, foi produto de um relacionamento extraconjugal. A mãe dele, que era dona de uma loja de alta costura, ficou viúva quando o filho ainda era pequeno. Ele conta que só tinha memórias muito superficiais do pai.
– Lembro-me que este senhor costumava vir, especialmente à noite. Lembro de ter levantado e de ter visto aquele sombrio homem nu na cama com a minha mãe.
Naquela época, as crianças de “pais desconhecidos” recebiam sobrenomes cujas iniciais eram trocadas a cada ano. Como ele nasceu no ano da letra “Z”, a mãe dele, fazendo uma homenagem a Mozart, com a palavra zeffiretti (pequeno zéfiro, vento que corta a parte ocidental da Itália). Um erro de transcrição acabou resultando no nome Zeffirelli.

Para o italiano, os críticos destruíram a tradição da cultura musical no mundo da ópera.
*The New York Times, em Roma
Jornal do Brasil on-line - Sexta-feira, 21 de Agosto de 2009
http://jbonline.terra.com.br/leiajb/2009/08/21/caderno_b/fa_de_cristo__mas_nao_do_papa.asp

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