quinta-feira, 2 de julho de 2009

Somos todos Jacksons

Eduardo Hoonaert *


A morte de Michael Jackson deixa na cabeça de muitos um monte de questionamentos. Alguns dizem que ele procurou branquear a pele por não aceitar sua condição de negro; outros dizem que ele era pedófilo; outros ainda criticam sua falta absoluta de senso administrativo ao deixar milhões de dólares em dívidas e ainda há quem pretenda que ele seja a expressão evidente da futilidade midiática.

Acontece que o inglês Gerald Thomas (1954), diretor, produtor e autor de teatro, que tem um bom trânsito no Brasil, escreve em seu blog de 30 de junho pp.: ‘Somos todos Jacksons’. Essa frase me impressiona. Sim, somos Jacksons na medida em que soltamos dentro de nós a estrela que somos. Os questionamentos acima mencionados evaporam-se diante do fato que tivemos (e ainda temos) diante de nós algo demasiadamente grande para nosso pobre entendimento humano, nossa pequenez inata. Na medida em que deixamos de lado questões pífias, ‘somos todos (e todas) Jacksons’, estrelas da mesma constelação em que Michael brilhou. O ídolo escondido (guarda-chuva, chapéu enterrado na cabeça, lenço para se esquivar, passo furtivo, gesto esquivo) dança no topo do mundo. O ídolo isolado (dorme em bolha de oxigênio e tem uma máscara higiênica para não respirar o ar que todos respiramos) fica continuamente em super-exposição e dança diante de bilhões de pessoas. O Peter Pan do isolamento de Neverland (terra do nunca, nome que Michael deu à sua propriedade) penetra em todos os lares por TV, DVD, CD e Internet.

Não nos enganemos: Michael não é um ingênuo doente e complexado. Ele tem a lucidez de por a nu o mundo como é: cruel, preconceituoso, prepotente, ignorante, mesquinho, sem piedade, sem sensibilidade pelo mais fraco. Numa se suas músicas, intitulada ‘Black and White’ (negro e branco), ele se mostra enjoado com a linha divisória que a sociedade marca entre as cores da pele. Aí ele canta: ‘Se você é meu irmão, não importa que seja negro ou branco’ (It don’t matter if you’re black or white). Mas logo acrescenta: ‘Isso não é fácil’. Querendo ultrapassar, num louco gesto de manipulação dermatológica, a barreira entre Black and White, ele ao mesmo tempo dá um soco na cara da sociedade e prejudica irremediavelmente sua saúde. No final da vida se afunda na tristeza. Sua vida demonstra a distância entre a indignação e a impotência dos gestos, por geniais que sejam. Michael sofreu as dores do mundo e seu sofrimento é nosso sofrimento.

De outro lado, sua passagem entre nós lembra que somos maiores do que somos, que podemos transcender a figura humana da mesquinhez e abraçar o mundo inteiro, partir com Dom Quixote à procura da justiça perdida e da misericórdia que não se encontra em canto nenhum, não fazer o que se espera de nós e fazer o que de nós não se espera. Gozar da vida em liberdade, sem pretender segurar nada. Escapar da confusão entre usar e possuir que faz com que não consigamos o que queremos, combater moinhos de vento não como quem faz algo estúpido, mas como quem demonstra que o mundo é um gira-gira e roda-roda de palavras que não levam a nada. A figura dramática e contraditória de Michael desperta em nós o que temos de melhor: a capacidade de sonhar com um mundo diferente. Só que esse mundo não tem de ser necessariamente um ‘neverland’ (terra do nunca) ou um ‘dreamland’ (terra do sonho: nome da propriedade de Elvis Presley), mas sim um ‘reino de Deus’, na labuta diária, segundo o sonho insuperado de Jesus de Nazaré.

Termino este texto com outra frase de Gerald Thomas, que expressa o sentimento que se apodera de mim depois da morte do astro, quando o universo em que vivo volta à ‘normalidade’: ‘esse universo tão grande e tão escuro em que ontem, uma estrela, Michael Jackson, se apagou, deixando legiões de planetas, satélites, asteróides, enfim, uma galáxia inteira totalmente desolada’.
* Historiador

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