domingo, 19 de julho de 2009

A internet como um terremoto


A análise da trajetória humana pela evolução da linguagem escrita e seus suportes é um dos pilares do pensamento do francês Roger Chartier, ex-diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris e um dos principais historiadores historiadores do século 20. Para o intelectual, um texto não é uma abstração, só existe realmente em função da maneira como é escrito e digerido. A ideia se tornou ainda mais pertinente com a chegada do computador e da internet, responsáveis pelo maior terremoto no mundo da escrita e da leitura desde Gutemberg. No Brasil para a série de conferências do ciclo A França volta ao Petit Trianon, que dá continuidade às comemorações do Ano da França no Brasil na ABL, na qual dará quinta-feira a conferência A História, representação do passado e medida do tempo, Chartier vê a web como um terreno de contradições, fragmentações e paroxismo.

– A textualidade eletrônica poderia ser vista como uma revolução porque, pela primeira vez, temos uma mudança em todos os níveis: não apenas tecnológica, mas também da forma e do suporte – avalia o historiador. – Além da técnica e da disseminação, a substituição dos meios da cultura impressa pela tela do computador implica uma mudança morfológica, que atinge a forma da escrita e a relação do texto com o leitor. Por outro lado, não se pode supor que as técnicas em si fazem a diferença. O que conta é a maneira como as pessoas as utilizam.

A disseminação da textualidade eletrônica provocou uma nova abordagem do texto, com outros hábitos e costumes.

– A leitura na tela é mais dispersa, se dá por uma sucessão discontínua de fragmentos – define Chartier ao Jornal do Brasil. – Enquanto a leitura impressa é guiada por uma noção de unidade.
No que diz respeito à internet, um espaço extremo que leva aos limites todas as práticas surgidas ao longo da história da escrita e da leitura, a fragmentação resulta, paradoxalmente, numa espécie de homogeneização. Todo texto tem o mesmo status do outro (já que são publicados na mesma rede), descolando-se, assim, da "hierarquia" (ou "grau de veracidade") presente na cultura impressa e eliminando pontos de referência para o leitor.

– O mundo eletrônico multiplica os erros e a falsificação com muito mais força – afirma. – É mais difícil para o leitor se guiar. Por outro lado, remete a práticas do século 16, como a circulação clandestina de textos proibidos pela igreja ortodoxa. É um instrumento ágil contra o totalitarismo, como comprova recentemente o uso do twitter em relação ao Irã.

O historiador, porém, não acredita que se pode decretar o fim do texto impresso, já que ainda existe uma convivência tensa entre as duas mídias. De um lado, uma geração eletrônica, que dedica a maior parte do seu tempo à leitura na tela; do outro, uma geração apegada ao impresso. Mas o que nos reserva o futuro? Estaríamos vivendo um momento de transferência gradual e definitiva para os dispositivos puramente eletrônicos?

– Não há como saber – responde Chartier. – Mas por enquanto os editores que tentaram produzir material exclusivamente para o eletrônico não tiveram sucesso. É importante manter a pluraridade e a riqueza de alternativas. Pela primeira vez na história podemos dispor da possibilidade de produzir cultura impressa e ao mesmo tempo utilizar a tecnologia eletrônica. É absurdo pensar que uma delas substitui todas as outras. Acredito que o desafio do estado hoje é incluir o grande número de pessoas sem intimidade com o eletrônico e estimular os mais jovens, que já nasceram sem o hábito do impresso, a se aproximar dos livros e jornais.

A crise da imprensa provocada pelo advento da mídia eletrônica (e que atinge jornais do porte do The New York Times) também é um assunto ainda sem previsões.

– Atualmente, podemos ler um mesmo jornal em forma impressa ou eletrônica. Mas não lemos as mesmas coisas. Na tela do computador costumamos procurar um artigo em especial, a partir de rubricas, temas ou palavras-chave. Já se folhearmos um jornal impresso construímos um sentido de totalidade do veículo como um todo, uma lógica espacial e contextual, que inclui os colunistas, as fotos e até a publicidade.
(Bolívar Torres)

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