sábado, 18 de julho de 2009

Em face da morte

LUNO VOLPATO*
Certa vez li um soneto cujo terceto final dizia: “A vida é um grande enigma... Vai tecendo/ Quimeras, emoções, vivas imagens/ Mas desde que nasci venho morrendo.” Nada mais certo. Nada mais trágico também. Mas isto é poesia.
Não bastassem as tragédias, os tsunamis, o fogo, a fome, as enchentes com que a mãe natureza pune seus filhos pela afronta às suas leis, eis que o homem se encarrega de deixar sua marca devastadora e sombria. Ele mata com ou sem razão. Nunca a humanidade foi tão violenta. Mata-se por um dá cá esta palha.
A morte, mais do que nunca, nos espreita nas esquinas, de manhã, à tarde, à noite, no ponto do ônibus, no avião, no táxi, na favela, na cidade ou em Neverland. Já não há mais lugar seguro. Estamos definitivamente marcados para morrer e isto no aterroriza. Jornal não é jornal se a cada dia não registrar um morte violenta e inesperada.
Mesmo sabendo que única e inequívoca certeza é a de que um dia haverá um traço final em nossa caminhada por este planeta, não estamos acostumados com a partida definitiva. Sempre que alguém parte, chega ao destino. Se alguém viaja, retorna. Só quem morre são os outros, um desconhecido, pessoas num longínquo acidente, um velhinho que estava doente. A morte não nos é familiar. Esta ideia, por ser macabra, não habita nossa consciência. Para a morte não há conformação. Palavras consolam, mas a dor, esta cada um irá consumi-la em goles, em lágrimas, em desespero, em capítulos amargos e reações as mais diversas. A angústia não tem forma, a dor não tem modelo.
Um dia, sabemos, ela, a morte baterá em nossa porta. Até pensamos, mas não nos conscientizamos desta fatídica realidade. Só morrem os outros, só os outros ficam doentes, contraem doenças incuráveis. Tais mazelas não nos alcançam. Até que começam, a desaparecer pessoas próximas de nós, de nosso bairro, de nossa rua, de nosso prédio, de nosso universo. E sentimos um arrepio. A expressão latina é emblemática: Memento mori ( Lembra-te da morte).
A cultura da morte não nos é familiar. No Oriente, por exemplo, esta condição é até aceitável. Há uma preparação, um condicionamento para sublimar tal angústia na certeza de que alguém ao desaparecer, na realidade, descansou.
Mas o enigma permanece implacável. Em determinado momento só nos resta a convicção pessoal, a esperança, a ilação filosófica, a certeza de que a passagem para a outra vida, ainda que doída, é inevitável.
E, convenhamos, é desesperadora e cruel esta reflexão.
Invejo as pessoas que dizem não ter qualquer medo de partir e que estão preparadas para esta viagem sem volta. Talvez seja apenas retórica, mas como gostaria de ter este preparo! Quem nunca passou pelo dissabor da perda definitiva, não avalia a dimensão desta dor indivisível.
A sinistra certeza do nunca mais... Nunca mais! E morremos levando o conhecimento adquirido, a cultura, a experiência, a face oculta... Não nos conformamos. E ninguém jamais voltou... Há, porém, uma constatação. Se alguém retornasse para contar, perderia o encanto, cessaria o mistério e a ansiedade. A ninguém é dado conhecer o desfecho.
Mas a natureza é sábia. Imaginem crescer, sabendo-se que morreríamos aos 15 ou 20 anos... É melhor mesmo não saber. Cada um, o jovem, o velho, rico, o pobre tem expectativas, decorrente de valores, crenças, vivência. Nada como viver como se cada ato fosse o último.
O desconhecido nos amedronta e o próximo segundo nos é desconhecido. Ah! Se soubéssemos quando seria o fatídico momento! Certamente deixaríamos uma última palavra, um último presente, um último beijo, um último adeus. Faríamos o melhor discurso, diríamos as coisas mais gratificantes e consoladoras para que quem partisse o fizesse com um sentimento de gratidão e bem estar. E ficaríamos apenas com a saudade...
Já que o amanhã nos é desconhecido, cumpre apostar no que temos em mãos: o presente. Nada como olhar para o longo caminho percorrido e poder afirmar conscientes: missão cumprida!
*Luno Volpato é poeta, escritor e membro da Academia Campinense de Letras e mestre em Língua Portuguesa.
http://cpopular.cosmo.com.br/mostra_noticia.asp?noticia=1643596&area=2190&authent=84716E837D9DD2BCE35611450FEA2E -18/07/2009

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