quinta-feira, 2 de julho de 2009

Considerando um suicídio

João Gomes Mariante*


A grande maioria dos habitantes da esfera terrestre na qual vivemos sofreu um abalo inaudito pela morte de um ídolo inigualável.
Michael Jackson, a exemplo de tantas celebridades artísticas que recorrem ao suicídio, nem sempre consciente e direto, mas virtual e inconsciente, alinha-se entre eles.
A sua permanente aspiração girou sempre em volta de um arraigado propósito: de “deter” o tempo em seu próprio “self”, para não ser colhido pela velhice.
As suas tentativas de estancar a vida e a involução biológica foram base e princípio da sua atribulada existência. O uso prolongado e indevido de infindáveis baterias medicamentosas alterou profundamente a sua constelação glandular. Tão intenso e profundo revelou-se tal procedimento, que o transformou num homem branco. Essa alteração, essencialmente, determinou a alteração do esquema corporal e ipso facto a sua identidade.
Desde que o espelho iniciou a revelação da profunda transmutação epidérmica, sua personalidade certamente assumiu outra identidade.
A transformação psicofísica deu-lhe um encantamento narcísico, mas concomitantemente acarretou-lhe um sério conflito interno, por ignorar como proceder com o novo Michael, descolorido. O enfrentamento com o desdobrar da sua personalidade promoveu uma brida, um hiato na sua existência. Com o recurso de plásticas transformistas, conseguiu extinguir a presença da mácula da negridão que era assim vivida por ele. Na época, a situação ainda jazia distante da preponderância negra que hoje impera em seu país. A realidade atual é oposta, onde domina porque é representada e conduzida por um supremo mandatário negro e líder universal da negritude.
Pelo obsessivo propósito de metamorfosear a imagem física, amargou o sacrifício permanente de retesar a epiderme.
Com sucessivas intervenções cirúrgicas, modificou o seu esquema corporal e assim perdeu a imagem de si mesmo. Valendo-se de muitas baterias dessas técnicas transformistas para criar o modelo físico almejado e extirpar a coloração repudiada, revelou uma tendência bovarista, para não citar o narcisismo coexistente.
A patológica atuação do extraordinário e engenhoso artista viu-se sempre marcada pelo signo do suicídio. Com ela esteve permanentemente vivendo a fantasia de valer-se da morte, para sustar o envelhecimento e interromper o decurso do tempo, para anular o inexorável processo biológico de involução e criar outro: o da eterna juventude.
*Psicanalista, membro honorário da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina
No site da ZH, 02/07/2009

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