domingo, 5 de julho de 2009

Consciência cósmica

Marcelo Gleiser*
Será que a vida inteligente não
passa de uma coincidência?

Não há dúvida de que nós, seres humanos, temos a necessidade de encontrar significado em tudo o que fazemos. Tudo tem (ou deveria ter) uma causa por trás, algo que justifica uma ação ou uma reação.
Uma doença é causada por um agente -por exemplo, um vírus. Fazemos ginástica para estar em forma. Procuramos ter amigos, prazer, amor na tentativa de viver nossas vidas da melhor forma possível. Quando nos perguntamos sobre as causas das coisas, do mundano ao mais profundo, nós esperamos uma explicação, algo que faça sentido.
Tradicionalmente, as perguntas ditas mais profundas eram relegadas a explicações religiosas ou míticas, lançando mão de agentes sobrenaturais.
Como o mundo surgiu? E a vida? Existe alguma razão para estarmos aqui?
Ou a existência não passa de acidente?
Hoje a ciência também encara essas questões. Dentre as mais fascinantes, talvez a de maior significado para nós seja a relação (ou não) entre a mente, a vida e o Universo. Será que a vida, em particular a vida inteligente, não passa de uma coincidência, resultado de inúmeros acasos sem nenhuma razão de ser? Ou será que estamos aqui (talvez juntamente com outras inteligências) por algum motivo?
Descontando a versão bíblica de que estamos aqui criados segundo a imagem de um Deus onipotente ou que estamos vivendo o nosso inevitável carma, existem várias respostas de cunho científico. Apesar de não sabermos se alguma delas está certa, a discussão é frutífera, trazendo à tona aspectos importantes do pensamento científico contemporâneo. Sem tentar ser exaustivo, eis algumas delas. Em futuros textos voltarei ao assunto.
1. O cosmo é único, resultado de uma estrutura matemática que a física teórica vislumbra em raros momentos. Por trás da enorme diversidade das coisas, em particular da matéria e das suas propriedades, existem leis bem determinadas e eternas que ditam desde a existência do Universo ao valor da carga e da massa do elétron.
Se algum dia obtivermos essa teoria unificada, a teoria de tudo, teremos chegado ao ápice da racionalidade, decifrando o código secreto da natureza.
(A "mente de Deus" como Hawking e outros afirmam.) Segundo essa visão, a vida e a mente são acidentais, já que a física e a química têm pouco ou nada a dizer sobre a emergência da vida.
2. O cosmo é um dentre possivelmente infinitos outros, todos parte de um multiverso. Em cada um deles, as propriedades físicas são diferentes.
Apenas em alguns poucos a vida é possível. Algumas versões das teorias unificadas preveem a existência, ou são compatíveis, com o multiverso. Os unificadores mais radicais afirmam que, se o Universo é único, o multiverso não pode existir. De qualquer forma, uma das dificuldades dessa visão é encontrar um critério seletivo que justifique de forma natural a nossa existência. Uma teoria na qual tudo é possível explica muito pouco.
3. Existe um princípio vital, alguma lei que ainda desconhecemos, que explica a existência da vida no Universo.
Essa versão apela para a teleologia, afirmando que o cosmo é de alguma forma responsável pela existência da vida e, em particular, da vida inteligente. Mesmo dentro de uma formulação científica, fica difícil separar essa visão da visão religiosa, onde causas são atribuídas a um princípio criativo divino. Por outro lado, como vários exemplos históricos mostram, o que hoje chamamos de mágico ou sobrenatural pode, um dia, vir a ser explicado cientificamente. É prudente manter a cabeça aberta.
O contraste é na postura natural versus sobrenatural, ou seja, na capacidade de a ciência oferecer repostas plausíveis à questões dessa natureza.

*MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0507200903.htm 05/07/2009

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