quarta-feira, 17 de junho de 2009

Criação e evolução: compatíveis

John Polkinghorne*

"Fé e ciência buscam a verdade"

Um sorridente e amável John Polkinghorne conta que leva muito a sério o que a ciência e a fé dizem. "Fé e ciência – afirma – são amigas, não inimigas. Ambas buscam a verdade. A verdade é tão importante para a ciência como para a fé. A ciência pergunta como as coisas são. A fé pergunta o seu porquê. As religiões explicam que este mundo tem um sentido e uma finalidade. Não podemos dissociar as perguntas sobre o como e sobre o porquê".

"Temos que dar razões de por que se crê"

O cientista e crente Polkinghorne explica o que se deve entender por fé. "A fé – confessa – é um compromisso com uma crença motivada corretamente. A fé tem implicações na vida diária. A física não implica um compromisso na vida. Eu não posso acreditar na física nem nos grandes físicos. Eu posso acreditar em Jesus Cristo. Posso crer em Deus tal como ele se revelou em Jesus Cristo. Não se trata de uma fé cega, mas de uma fé iluminada pela razão. Temos que dar razão de por que se crê. Tendo dar essas razões como cientista e como crente".

"Ciência e fé têm limitações"

Mas a fé tem limites? E a ciência? Polkinghorne contesta: "Ciência e fé olham o mundo a partir de perspectivas diferentes. Ambas têm limitações. Se perguntarmos como é o mundo, como ele funciona..., os crentes devem recorrer à ciência. A ciência não nos dá toda a verdade, mas nos dá verdades. E os crentes que buscam Deus se alegram com as verdades que a ciência lhes proporciona. A ciência tem uma limitação maior do que a fé. Se perguntarmos a um cientista o que é a música, ele poderá dizer, por exemplo, que é uma série de vibrações no ar. Mas a música é muito mais, possui um sentido maior e afeta a pessoa em sua totalidade. Muitos cientistas são conscientes da limitação que a ciência tem".

"Eu diria a Hawking que a ciência não pode responder a todas as perguntas"

Mas, segundo Polkinghorne, outros cientistas não são conscientes da limitação da ciência, como Stephen Hawking, "que pensa que a ciência pode explicar tudo". O que o senhor diria a esses cientistas como Hawking? "Eu lhes diria – responde – que a ciência não pode responder a todas as perguntas. E que não devemos fazer tudo o que podemos fazer. As decisões científicas devem estar articuladas com as decisões éticas. Nem tudo o que podemos fazer do ponto de vista científico devemos fazer do ponto de vista ético. Por exemplo, a pesquisa com embriões".

"Vivemos em um mundo em evolução"

E sobre as contribuições de Charles Darwin, Polkinghorne comenta: "Vivemos em um mundo em evolução. Estou totalmente de acordo com esse ponto central de Darwin. A fé na criação é compatível com a teoria da evolução de Darwin. Desde o primeiro momento, houve crentes que aceitaram com muita satisfação as propostas de Darwin. Uma das pessoas que mais fez isso foi Charles Kingsley, que disse que graças a Darwin sabemos que Deus não fez um mundo de maneira instantânea ou de um golpe só ("a world ready made"). O mundo está cheio de potencialidades em seu interior que são efeitos da ação divina, de maneira que as criaturas podem se fazer a si mesmas. Essa é a forma teológica de se entender a evolução".

"A ciência – prossegue Polkinghorne – explica que há momentos no mundo em que aparecem realidades completamente novas. Aparece a vida quando antes só havia matéria inanimada. Em momentos sucessivos, aparece a vida animal, a consciência, a autoconsciência, a consciência de Deus. São processos de grande fecundidade. Teologicamente, esses passos são expressões do mundo que Deus criou. A ação divina no mundo é verossímil, mas como comprovar isso? Deus atua por meio da natureza mais do que por meio de qualquer outra via, como, por exemplo, os milagres. Existem milagres, mesmo que sejam muito poucos. O maior é a ressurreição de Cristo. O milagre é, por assim dizer, resultado de uma operação mágica celestial por meio da qual Deus se exibe. O milagre é um sinal de que Deus faz algo radicalmente novo. Deus e Jesus se encontram em uma relação única, e, na história, isso se concretiza na ressurreição de Jesus, que é o sinal do que Deus fará para todos além da história".

Vida dedicada à física e à teologia
John Polkinghorne conta que dedicou a primeira parte de sua vida, na Universidade de Cambridge, à física teórica e à física de partículas. Também matemático, foi membro do departamento de Matemática e Física Teórica, ao qual o físico Stephen Hawking também pertencia. Mas Polkinghorne, para quem a fé cristã é substancial em sua vida, considerou, aos 25 anos, que devia reorientar a sua atividade de pesquisa, diante da surpresa de muitos de seus colegas cientistas. Começou a estudar teologia. Voltou à universidade. Chegou a ser presidente do Queen's College de Cambridge. Ordenou-se pastor anglicano. Esteve cinco anos realizando trabalho pastoral em Bristol e em uma paróquia próxima de Canterbury. E confirmou que sua vocação científica e teológica era e é a de se dedicar a pensar como razão e fé, e mundo e Deus são compatíveis. Esse é o seu principal trabalho há 25 anos.
*John Polkinghorne (Somerset, Inglaterra, 1930), físico, teólogo e pastor da Igreja anglicana, prêmio Templeton 2002 pelo conjunto de sua obra científica e teológica. Esse seminário coincidiu praticamente com o bicentenário do nascimento de Charles Darwin, no dia 12 de fevereiro, e com o 150º aniversário de sua obra "A origem das espécies".
A reportagem é do jornal La Vanguardia, 13-02-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Postado no IHU/Unisinos, 17/06/2009

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