quarta-feira, 15 de abril de 2009

Para a política, Deus é natimorto

Gianni Vattimo*

Se a importância de um livro de não-ficção está na pesquisa de informações que nos comunica e das ideias e dos problemas que nos deixa, tanto que não podemos abandoná-lo facilmente, então o ensaio de Mark Lilla, "The Stillborn God" [O Deus natimorto, em tradução livre], que foi agora publicado em italiano com uma extraordinária tempestividade, é seguramente um livro importante e significativo.

A ideia da morte de Deus já era um tema de Heinrich Heine e depois de Nietzsche. Mas Lilla, sem se referir explicitamente a nenhum dos dois, fala até de um "Deus natimorto". Que é, para ele, o Deus da teologia liberal do século XVIII, cristã (não católica, adverte o autor, que deixa esse aspecto de fora, reservando-se o direito de lhe dedicar talvez um outro trabalho) e também judaica. Uma teologia cujo mestre principal é Schleiermacher, mas antes dele Kant e Rousseau, e que realizou a última grande tentativa de curar aquela "grande separação" entre religião e política iniciada por Thomas Hobbes na metade do século XVI com o seu famoso "Leviatã".

Pode acontecer que, apresentado dessa forma, o trabalho de Lilla pareça um ensaio muito acadêmico de história das ideias, de escasso interesse para os não especialistas. Os quais, pelo contrário, farão bem ao lê-lo e relê-lo: por ser uma espécie de grande narração da modernidade ocidental reconstruída com estilo plano e escrita cativante. E depois, sobretudo, porque fala de nós e da nossa atualidade, obrigando-nos a repensá-la, talvez, como é o caso de quem escreve, não concordando com as suas conclusões. Dizendo-o de forma bruta, o livro é uma espécie de hino – mesmo que sóbrio – à tradição liberal anglo-saxã. Portanto, escrito e pensado em um espírito que hoje chamaríamos de moderado, reformista, atlântico, de qualquer forma neoiluminista.

Todas as religiões, e sobretudo a nossa tradição bíblica judaica e depois cristã, contêm uma teologia política mais ou menos explícita: o Deus criador é o autor de uma ordem cósmica que funda também a ordem da vida associada e a legitimidade da autoridade política.

Quando Hobbes escreveu as suas obras, a Europa ainda era marcada pelas grandes guerras de religião seguidas pela Reforma protestante. Mas, para Hobbes, a intervenção da fé religiosa na vida política sempre gerou violência e guerra na história. O "Leviatã" é uma análise puramente materialista da existência humana e da sociedade. O homem é dominado por duas pulsões fundamentais, a autoconservação e a do prazer. Antes da existência da sociedade, existia apenas a luta de todos contra todos; da qual surge o contrato social, em base ao qual o poder de vida e de morte é conferido a um soberano que é como um Deus na terra, um "terceiro" que tem a autoridade de fazer com que o pacto social seja respeitado e que não deve ter limite no exercício dessa autoridade, nem por parte dos súditos, pelo menos até que garanta a paz interna e a observância das leis.

Obviamente, nem mesmo a Igreja pode limitar a autoridade do soberano, que é também o chefe da Igreja (como de fato ocorreu na Inglaterra com o cisma anglicano). A doutrina de Hobbes foi criticada como uma teoria do Estado absoluto. Mas Lilla vê nela a base da "grande separação" que destaca radicalmente a religião da política, fazendo desta última uma questão puramente humana, que não tem nenhuma necessidade do absolutismo e que pode dar lugar ao liberalismo e ao constitucionalismo moderno, que vivem enquanto excluem a fé religiosa (com as suas pretensões de absoluto) da luta política.

A grande separação preparada por Hobbes, porém, sempre encontrou muitas dificuldades para se fazer valer. A teologia política é muito difícil de morrer e também hoje – mesmo que Lilla não trate explicitamente do problema – ela renasce sempre de novo nos movimentos político-religiosos que inspiram os diversos fanatismos e terrorismos. Kant, Rousseau e depois a teologia liberal alemã do século XIX expressam o esforço mais maduro de conciliar o "naturalismo" de Hobbes (a religião como expressão pura de uma necessidade humana de garantia) e a referência a Deus. No século XVIII e no início do XIX, teólogos liberais cristãos e judeus leram a religião como um fator determinante para a legitimidade da sociedade burguesa. Mas, com a Primeira Guerra Mundial e as suas sanguinárias destruições, essa visão tranquilizante da religião cai em crise com o mundo burguês do qual ela era a apologia e o sustento.

Duas grandes figuras de teólogos, Karl Barth para o cristianismo protestante e Franz Rosenzweig para o judaísmo, propõem uma concepção messiânica e apocalíptica da religião, à qual Lilla conecta a afirmação de dois milenarismos políticos do século XX, o comunismo soviético e o nazismo. E também hoje, sugere, nós teremos o problema de evitar que a crise que estamos vivendo (Lilla escreve em 2007) faça renascer utopias milenaristas (e, entenda-se, revolucionárias).

Como se imagina, coloca-se aqui uma quantidade de problemas. Por exemplo: a grande crise que desembocou na Primeira Guerra Mundial e a atual crise do sistema capitalista que ameaça fazer com que perigosos milenarismos renasçam são "culpa" da teologia política? E ainda: a insatisfação difusa do homem "ocidental" contemporâneo (Lilla não fala dos povos do Terceiro Mundo), que explica o renascimento, também de forma aberrante, da religiosidade tanto conservadora quanto revolucionária, não será o sintoma de uma necessidade de "utopia", sem a qual nem mesmo um sóbrio liberalismo de tipo anglo-saxão pode sobreviver?
*Filósofo italiano, em artigo para o jornal La Stampa, 11-04/2009, comenta o livro de Mark Lilla - "The Stillborn God" (O Deus natimorto, em tradução livre). Tradução de Moisés Sbardelotto. Artigo posto no IHU/Unisinos, 15/04/2009

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