sábado, 25 de abril de 2009

A amante Chatterley

JOAQUIM ZAILTON BUENO MOTTA
Há meio século, no ano de 1959, influenciado pela nova definição de obscenidade da Suprema Corte dos EUA, um juiz federal suspendeu a proibição do romance O Amante de Lady Chatterley na América. Um ano depois, o livro também foi liberado na Inglaterra, quando os britânicos passaram a render homenagens de reconhecimento ao talento e à coragem do autor, D. H. Lawrence.
Já se vão 81 anos (1928) que a obra polêmica foi publicada e logo depois proibida na Inglaterra. A publicação foi sustentada em Roma, em outras capitais europeias também, mas permaneceu longos anos como um trabalho secundário, obsceno, pirateado para as nações de língua inglesa.
Para os britânicos, entre a data da primeira edição e sua liberação, 32 anos depois, livro e autor foram qualificados de modos diametralmente opostos. Antes, o “mais sujo da literatura inglesa”, vergonha dos valores morais e hierárquicos; depois, o texto “seminal da literatura moderna”, um marco genial da arte literária.
D. H. Lawrence acreditava que devido aos séculos de ofuscamento, a mente ficou “subdesenvolvida”, incapaz de avaliar devidamente as características do erotismo. Faltava uma “reverência adequada pelo sexo e uma admiração apropriada da experiência estranha do corpo”. Então, criou lady Chatterley, uma heroína que desperta sexualmente e ousa desnudar o ventre do amante para conferir o mistério da masculinidade.
A história é uma trama que apela para o adultério, pois a protagonista estava casada quando se envolve com o jardineiro do palacete onde vivia com o marido. Apesar do impacto da infidelidade, Lawrence estava convencido de ter escrito um livro afirmativo sobre o amor físico, que ajudaria a libertar a mente puritana do “terror do corpo”.
Antes dessa obra, existia a exposição da mulher nua como prerrogativa de artistas e pornógrafos. Porém, o pênis costumava ser obscurecido ou disfarçado, e jamais revelado em posição ereta.
A intenção de Lawrence foi mesmo de escrever um “romance fálico”. Várias vezes, ao longo do inspirado enredo, lady Chatterley concentra sua atenção no pênis do amante, segura-o nas mãos, afaga-o com os dedos, acaricia-o com os mamilos, toca-o com os lábios, observa o seu intumescimento, estende as mãos para acariciar os testículos, e mede a carga sustentável da virilidade.
Na época, a descoberta excitante e assombrosa da protagonista descrita por Lawrence aguçava milhares de leitores. Os do sexo masculino participavam com sua própria excitação sexual, imaginando uma equivalência de prazer através do toque de uma mulher semelhante, e experimentavam pela masturbação uma intensa sensação vicária.
O texto erótico que leva à masturbação foi, por muito tempo, para os reacionários moralistas, motivo mais que suficiente para tornar este romance controverso e condenável.
Mas foi essa audácia do autor, ao glorificar a alegria dos corpos durante o sexo, o que para ele é uma das leis eternas da natureza, que o conectou aos vanguardistas que abriram os horizontes da sexualidade.
Quando pressionado pela rançosa censura vitoriana, Lawrence afirmou que os que atacavam o erotismo não passavam de hipócritas: “Metade dos grandes poemas, quadros, obras musicais e histórias deste mundo tem sua grandeza no apelo sexual. Em Ticiano ou Renoir, no Cântico de Salomão ou em Jane Eyre, em Mozart ou em Anne Laure, a beleza surge impregnada de apelo sexual...”.
A arte transformadora é mais feminina, tem vigor libertário maior do que a masculinidade da ciência. A (r)evolução erótica e amorosa da humanidade depende dessas heroínas, reconhecidas ou anônimas, fictícias ou verídicas. Os homens cuidarão de narrar o que elas fizerem...

*Bueno Motta é médico psicoterapeuta e sexólogo.
http://www.cpopular.com.br/mostra_noticia.asp?noticia=1630876&area=2190&authent=677619FA3A9DD25FE42168020FEACD

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