segunda-feira, 9 de março de 2009

O século das mulheres

Mauro Santayana
Meses antes de sua morte, em 1982, conversei com Alceu Amoroso Lima, em uma entrevista para a Folha de S. Paulo. Ele havia perdido, pouco antes, a sua mulher, e a lembrança de Maria Tereza intervinha, sempre, enquanto ele tratava das ideias de seu tempo e das previsões sobre o século que viria. Busquei, de sua inteligência do mundo, o que era possível no diálogo de um dia inteiro. Ele recordou sua vida e, nela, o surgimento das ideias, dos compromissos, das revisões ideológicas e políticas, das influências poderosas, como as de Jackson de Figueiredo, da admiração pelo sogro, Alberto de Faria, e pelo cunhado, o romancista Otávio de Faria. Quando chegamos à atualidade em que estávamos, e entramos no terreno das perspectivas, Alceu me disse que o século 21 seria o das mulheres e dos negros.

Lembrei-me disso, ontem, Dia Internacional da Mulher. Alceu via essa ascensão como resultado das lutas históricas. Era inadmissível, na sua visão dos 88 anos (quando conversamos), que a minoria de homens brancos mantivesse o poder sobre essas duas parcelas da humanidade. Alceu não era marxista. Não me ocorreu perguntar sobre as lutas das mulheres, nos últimos dois séculos. Ontem, é claro, foi o dia de Clara Zetkin, a brava militante comunista que, no Congresso Internacional das Mulheres (Copenhague, 1910) propôs que a data de 8 março fosse um dia de luta internacional das mulheres por seus direitos à igualdade, em homenagem a tecelãs de Nova York. Em greve, elas foram massacradas pela polícia em 8 de março de 1857.

Nesse mesmo ano, Clara Zetkin nascia na Alemanha, e os Estados Unidos eram governados pelo pior presidente de sua história, antes de Bush – of course – James Buchanan. A partir de então intensificou-se, nos Estados Unidos e na Europa, a luta das mulheres trabalhadoras. Em 25 de março de 1911, um ano depois do Congresso de Copenhague, um incêndio, talvez criminoso, em uma confecção de roupas femininas, também em Nova York, a Triangle Shirtwaist Factory, daria mais significação ao Dia Internacional da Mulher. Por muito tempo se discutiu a origem do fogo, que matou 148 mulheres, em sua maioria imigrantes europeias, algumas delas ainda meninas de 12 anos, que trabalhavam 15 horas por dia e recebiam a metade do salário de um homem. O fato revelou o regime de trabalho semiescravo das mulheres e estimulou sua organização política e sindical.

Clara Zetkin se uniu aos espartaquistas alemães logo depois da guerra e se elegeu deputada, em 1920, ao Bundestag, onde, durante os 12 anos que se seguiram, dedicou-se à luta contra a ascensão dos nazistas. Na abertura do Parlamento, em 1932, fez violento discurso contra a chegada de Hitler à Chancelaria, e foi das primeiras expurgadas do Bundestag pelo Führer. Exilada, morreu em Moscou, no ano seguinte. As mulheres brasileiras não estiveram ausentes do movimento feminino. No mesmo ano de 1910, Deolinda Daltro fundava o Partido Feminino Republicano e reivindicava o direito de voto para as mulheres. Em 1917, elas conseguiriam o direito de trabalhar no serviço público. Em seguida, Bertha Lutz se destacaria na reivindicação do direito à igualdade intelectual com os homens e ao voto.

A astúcia do capitalismo se apoderou da data de 8 de março, convertendo-a em oportunidade comercial. É o dia de trocar presentes, de homenagens às mulheres, apenas por serem mulheres, e não pela bela e forte história de sua resistência contra a opressão. A data é de luta.

Alceu não deu muita importância à eleição de Mme Thatcher para a chefia do governo britânico: a Inglaterra estava em seu ocaso. Para ele, mais importante era a presença de Indira Gandhi na liderança da Índia. Posso imaginar o sorriso franco de Alceu, se ainda estivesse vivo, com a eleição de Barack Obama para a Casa Branca e, antes disso, com a presença do africano Koffi Annan na Secretaria Geral da ONU. E, é claro, com tantas mulheres ocupando o poder, no Brasil e em outros lugares, a ponto de já se elegeram para a chefia de estados modernos, Michelle Bachelet, Cristina Kirchner, Angela Merkel, e as candidatas Segolène Royal, Hillary Clinton e Heloisa Helena (derrotadas por Sarkozy, Obama e Lula). Agora surge o nome de Dilma Roussef.
Alceu acreditava que os negros e mulheres governariam melhor, porque conhecem mais de perto a opressão.

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