domingo, 1 de março de 2009

Liberalismo e estado mínimo

Carlos Eduar do Novaes*

Liberalismo, o Neo, bateu à porta da quitinete onde morava o Estado Mínimo e sua numerosa família. O Estado Mínimo ­ diga-se de passagem ­ já fora o máximo no passado, requisitado por todos, vivia confortavelmente em uma cobertura duplex no edifício Keynes. A partir dos anos 80, seu prestigio começou a declinar diante da campanha orquestrada pelo Liberalismo que avançou no seu patrimônio e privatizou suas empresas sob o pretexto de que ele, Estado, não entendia nada de economia, cobrava altos impostos e impedia a maximização dos seus lucros. Empobrecendo, o Estado teve que se mudar para um apartamento menor e depois para outro menor ainda e hoje vive em uma modesta unidade no conjunto habitacional Milton Friedman.

O Estado Mínimo abriu a porta e assustou-se ao dar de cara com o Liberalismo, que só o procurava para fazer criticas e reduzir seus espaços. Pôs-se na defensiva. ­
- Veio me diminuir mais ainda? ­
- Que isso? Nem pensar! – ­ reagiu o Liberalismo, solicito e simpático como não se via desde 1930. ­ Vim procurá-lo porque preciso de sua ajuda! ­
- Não acredito! ­– surpreendeu-se o Estado. ­ - Você precisando de minha ajuda? Logo você que sempre me julgou um incompetente, um entrave na sua vida. O que é? Está querendo privatizar os Três Poderes?

Liberalismo ouviu calado, de cabeça baixa. Sua aparência não era das melhores. Havia perdido aquele sorriso vencedor de outros tempos e vestia roupas baratas de lojas de departamentos. ­

– Sabe o que é meu caro? Estou com um probleminha. Acho que dei liberdade demais para meu filho Mercado e ele andou fazendo um monte de besteiras. Estou sendo questionado por todo mundo e com isso a saúde de papai se deteriorou. Ele está deprimidissimo! ­
– O Capitalismo está mal? Mas como? Ele vivia em um estado de euforia permanente desde a queda do Muro de Berlim!! Parecia-me sempre tão feliz! ­
– Há quanto tempo você não o vê? ­
– Desde a crise do subprime! ­
– Foi aí que ele caiu de cama! Está magro, abatido, demitindo seus empregados e o que é pior: todo endividado! Será que dá para você nos emprestar algum? ­
– Para tirar você do buraco eu sirvo, não é? Quanto?
– Uns US$ 787 bilhões! Quando a situação melhorar prometo que lhe devolvemos, com juros e correção. ­
– E quem me garante que com esse dinheiro a situação de seus negócios vai melhorar? Seu filho Mercado não tem o menor equilíbrio emocional! ­
– Ele me prometeu que vai se controlar. ­
– A mulher dele, a Bolsa, é outra porra-louca que sobe e desce sem qualquer lógica. Os contribuintes não vão gostar de saber que estou emprestando dinheiro para seus bancos, suas montadoras, sem contrapartidas. Preciso de garantias. Tenho que estabelecer limites.

Liberalismo detestava a ideia de ter seu campo de ação limitado, mas não estava em condições de se impor, como no passado. ­

– Você é quem manda! ­ disse com humildade. ­ – O que precisa para me passar essa grana? ­
– Antes de tudo, reduzir os salários de seus executivos! ­
– Concordo que eles foram longe demais. ­
– Preciso voltar a regulamentar as atividades financeiras. Essa farra especulativa tem que acabar! ­
– Assim você vai comprometer minha imagem... ­
– Vou precisar também estatizar alguns de seus bancos! ­
– O que? Papai vai ter um enfarte quando souber! ­
– Diga a ele que essas medidas são para salvá-lo. Não queremos perdê-lo nessa altura da História! Mesmo porque não temos ninguém para botar no seu lugar.

Liberalismo despediu-se beijando a mão do Estado Mínimo em sinal de agradecimento. Estado Mínimo fechou a porta e berrou para a família amontoada na sala: ­
– Aí galera! Vamos nos mudar para um apartamento maior!

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