domingo, 8 de março de 2009

Apóstolo do mercado

Guy Sorman
Entrevista
O polêmico Guy Sorman não se abalou com a hipótese da inevitável e cada vez maior participação do Estado na economia depois da crise. Liberal convicto, o filósofo e economista francês foi professor do Instituto de Ciências Políticas de Paris e atualmente trabalha como conselheiro econômico do governo de vários países como Coréia do Sul, Polônia, Argentina, Turquia, Irã, além da própria França. Nesta entrevista concedida à CULT, de Paris, Sorman fala sobre o capítulo dedicado ao Brasil em seu último livro, A economia não mente (editora É Realizações, 2008). Segundo a hipótese nada evidente do autor, o avanço das igrejas pentecostais no país teria facilitado a difusão da crença interna no mercado. Sorman também fala sobre a crise, que deveria ter sido um golpe duro à mentalidade liberal. O escritor, no entanto, contemporiza: "A intervenção do Estado na economia não é uma questão teológica, mas uma questão prática".

Reprodução

CULT - Por que você acredita que o futuro já chegou ao Brasil?
Guy Sorman - Os brasileiros constataram que a aliança entre democracia e economia de mercado produz resultados positivos. O progresso para o maior número de pessoas resulta dessa visão pragmática da história.

CULT - Quais as vantagens ou os inconvenientes que o Brasil tem, na sua opinião, em relação aos demais países do BRIC (grupo de países emergentes que inclui Brasil, Rússia, Índia e China)?
A noção de BRIC não faz sentido: comparam-se civilizações distintas e modelos econômicos diferentes.

CULT - Em seu último livro A economia não mente (publicado no Brasil em 2008), você questiona a validade do determinismo religioso ou cultural no desenvolvimento econômico. Mas no capítulo dedicado ao Brasil você diz que as igrejas neopetencostais ajudam os brasileiros a compreender melhor o espírito capitalista.
Rejeito todo tipo de determinismo. Não existe uma religião em si, mas fenômenos religiosos que evoluem. Assim, o islã pode ser tanto favorável ao desenvolvimento (como na Turquia) quanto em contradição com ele (Magreb). No Brasil, como em vários países da AL, a igreja católica frequentemente esteve contra a economia; isso foi superado pelos movimentos evangélicos que acompanham e favorecem o crescimento.

CULT - Existiria, para você, uma América Latina moderna e outra arcaica?
Há duas AL's, aquela que sonha com a revolução e aquela que está mais engajada com o mundo real. Se bem que alguns movimentos revolucionários, como o da Bolívia, são mais étnicos do que ideológicos.

CULT - Como interpreta a crise atual? Há paralelos com 1929?
A crise é mundial porque a economia é mundial. Em 1929, a crise foi provocada por uma bolha especulativa nos EUA. A diferença em relação a 1929 não tem a ver com as causas da crise, mas com o fato de que sabemos administrá-la. Aquela de 1929 foi longa porque os governos fecharam as fronteiras. Desta vez, as fronteiras estão abertas: a crise deverá ser mais rápida.

CULT - Como avalia a reabilitação do keynesianismo e a nova onda de intervenção dos governos sobre a economia? Essa intervenção pode contornar a crise ou será ineficaz?
A intervenção do Estado na economia não é uma questão teológica. É uma questão prática. Existem intervenções justificadas como a emissão de moeda pelos bancos centrais para que o crédito continue. Mas intervenções podem ser prejudiciais se acarretarem em inflação ou se impedirem a criação de novas atividades. O mais eficaz em tempos de crise é favorecer a inovação, com Estado ou sem Estado. Keynes não tinha compreendido, em sua época, que o motor do crescimento era a criação destruidora; foi Schumpeter quem compreendeu isso.

CULT - Qual sua posição em relação às hipóteses de que a crise atual romperá com a hegemonia americana na economia?
Os EUA conservarão a vantagem graças às suas universidades e ao seu exército. Um terço dos diplomas no mundo, em 2008, veio dos EUA, seguido de Japão, Europa e Coréia: é como uma projeção da economia de amanhã. E o exército americano é naturalmente o único a preservar a ordem mundial; sem ele, o comércio internacional seria interrompido. Não há candidato alternativo para assumir esse posto de polícia mundial.

CULT - Você acredita que essa crise pode ajudar a construção, a longo prazo, de um governo mundial?
Um governo mundial não me parece algo desejável, pois não seria democrático; certamente seria despótico.

CULT - A França foi duramente afetada pela crise. O contexto econômico dará ocasião para a liberalização da economia francesa ou haverá uma recrudescência do papel do Estado?
O governo francês deveria logicamente utilizar a crise para liberalizar nossa economia, que é bastante burocrática. Mas, na realidade, o reflexo bonapartista decidiu pelo contrário. Por sorte, somos impedidos por algumas regras europeias de cometer erros irreparáveis.

CULT - Seu último livro, publicado antes da crise, possui um tom otimista. Você continua otimista com o destino do liberalismo e do mercado capitalista?
Os liberais não são otimistas, mas realistas. Dizemos que o caminho do desenvolvimento existe, em todas as civilizações. Este caminho é caótico como são as sociedades humanas: a economia não é melhor do que o homem. Além disso, as crises são inerentes ao crescimento porque este se fundamenta na inovação: a inovação não aparece todo dia. A crise atual não questiona, portanto, o realismo liberal. Os idealistas, por sua vez, procuram um sistema perfeito. Eles têm o direito a isso, mas eu desconfio.

CULT - Como avalia o início do governo Obama?
Obama é um presidente centrista e laico: isso é novo nos EUA. Sua política externa será a mesma de seus predecessores: um imperialismo benevolente. Sua política econômica está petrificada de contradições, ao mesmo tempo pró-capitalistas e estadistas. Mas o governo americano pode se permitir a erros, pois o mundo inteiro compra bônus do tesouro em dólares. A poupança chinesa pagará pelas falhas da gestão nos EUA.
Reportagem de Gunter Axt - 06/03/2009 - Revista Cult on-line

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