quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Nós, canhotos

DIANA CORSO
Quem me conhece sabe que possuo duas mãos esquerdas. Apenas a minha melhor esquerda fica do lado direito, o que sempre me fez passar por destra

Canhotos são como os muito altos, muito baixos, gordos e outros tipos de pessoas fora de padrão. O drama dos baixinhos também não me é estranho. Para os que são fora das medidas e funcionamento padronizados, o mundo precisa de adaptações. Além dos problemas para caber ou alcançar sofridos pelos fora de talhe, estão os de uso dos objetos, que associa os canhotos aos portadores de deficiências motoras. Cadeiras de braço, tesouras, abridor de lata, o mouse deste computador em que escrevo, enfim, todos objetos são pensados para servir à mão dominante. Os que precisam vencer essa inadequação dos objetos ao seu uso dificilmente tenderão à onipotência, à soberba. Os canhotos já receberam uma primeira mão de cartas pouco propícia, terão que ser bons jogadores. Portanto, não somente por ser afrodescendente Obama tem credenciais para o que o mundo espera de sua gestão, mas também por ser canhoto.
Dizem que os canhotos teriam mais condições de ter uma visão abrangente das coisas por serem obrigados à constante experiência da bilateralidade e da inversão espacial. Não sei se isso é neurologicamente procedente, mas acredito que esse esforço de adaptação pode produzir um efeito psicológico interessante: quando se enfrenta algum obstáculo, todo gesto deixa de ser automático, é preciso criar uma solução, analisar o problema, as condições.
Drummond escreveu, para si mesmo, “vai Carlos, ser gauche na vida”, por isso diziam que ele era um “destro com alma canhota”. Gauche, em francês, é esquerdo, mas também desajeitado, malfeito. É pejorativo, mas é do lado esquerdo da tribuna que têm se sentado todos aqueles que tentam ver as coisas desde outra perspectiva.
Suponho que, para Drummond, gauche era a condição de todos aqueles que se sabiam fracos, que se sentiam tontos frente a um mundo maior que sua Itabira natal. Infelizmente não sou poeta nem Obama, mas sou mulher, estrangeira, judia e para complicar as coisas, psicanalista. Por todas essas coisas me considero um tipo de canhota, compartilho o ponto de vista dos que sentem a diferença e vivem com certo esforço de adequação.
Sempre acreditei que são os canhotos que vão endireitar este vasto mundo sem solução. Por isso espero algo da era Obama. Veremos.

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