sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

A voz do profeta, as vozes da paz

Moacyr Scliar *
Amos é o nome de um profeta bíblico. Profeta irado. Inconformado com a má distribuição de renda, que à época já era problema, disse, referindo-se aos ricos: Ai dos que dormem em cama de marfim. Cama de marfim não parece ser exatamente o lugar mais cômodo para descansar (a menos que guarnecida de um bom colchão), mas pelo jeito era então símbolo de status, daí a revolta do profeta.
Amos também é o nome do grande escritor israelense Amos Oz, a quem não conheço pessoalmente, mas com quem, a pedido do pessoal aqui de ZH, que queria uma entrevista, certa vez conversei longamente pelo telefone, impressionado com seu conhecimento, sua serenidade, sua lucidez. Recentemente o nome Amos revelou-se condicionador de destino. Dias antes do conflito de Gaza, Oz (este sobrenome quer dizer “força”, no caso força moral), escreveu um artigo acerca dos foguetes disparados pelo Hamas. Amos Oz previa que alguma coisa teria de ser feita, porque “o Estado de Israel deve defender seus cidadãos”. E aí vem a previsão: “O Hamas deseja que Israel inicie uma operação militar. Se dúzias ou mesmo centenas de civis, mulheres e crianças palestinos forem mortos em ações israelenses, os radicais ganharão força em Gaza. O governo de Abu Mazen na Cisjordânia sofreria um colapso, e os extremistas do Hamas poderiam substituí-lo”. Seguir-se-ia uma pressão maciça para que Israel se retratasse, mas “nenhuma pressão cairia sob o Hamas”, mesmo porque “Israel é um país, o Hamas é uma facção”. E conclui: “O raciocínio do Hamas é simples: se inocentes israelenses morrem, é bom; se inocentes palestinos morrem, é melhor ainda”. No final, uma advertência: “Israel tem que agir de forma prudente, e não impulsivamente”.
Dito e feito. Morreram muito mais inocentes palestinos do que israelenses, graças, sobretudo, à incapacidade do Hamas em fabricar e disparar foguetes; se tivessem o poderio israelense, alguém duvida de que as vítimas chegariam a milhares, a milhões? Alguém duvida de que o Hamas usaria um artefato nuclear, se pudesse?
Resta saber o que deve ser feito para chegar a paz. Amos Oz não tem líricas ilusões a respeito; sabe que este processo levará gerações. No momento, diz ele, não se pode conseguir um casamento, mas sim um divórcio amistoso, o que, como muitos casais sabem, pode ser uma solução. E quais os passos para isto? Eles foram sintetizados por Celso Lafer, ex-ministro do Exterior, conhecido intelectual, e são: a renúncia ao terrorismo, o fim da ocupação israelense e das colônias, a volta às fronteiras de 1967 e, coisa decisiva, a criação imediata do Estado palestino. Chega do estrondo das explosões. Vamos ouvir as vozes da moderação.

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