sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Obama: entre a biologia e o destino

Leandro Area*
Entre a biologia e o destino dormem os sonhos que a ambição desperta. Mas o novo presidente dos Estados Unidos é muito mais que isso. Filho de uma nação tão toda-poderosa, etnocêntrica, imatura e errática, na qual se prefere o espetáculo à História ­– uma invenção grega para contar a vida, Obama é o produto mais refinado do ideal americano. Barack Hussein, com cujo nome, cor e histórico familiar ninguém jamais pensou que chegaria onde chegou, é a saída e o resultado que se encontrou nessa sociedade para ter e oferecer um alívio diante da profunda crise econômica e ética que atravessa, e com a qual contamina o resto do mundo. Obama não só é, portanto, propaganda política, produto de uma luta eleitoral, mas também salva-vidas coletivo diante da incalculável polaridade cultural e étnica, às vezes mascarada no estribilho recorrente de uma sociedade inclusiva e multicultural.

Observando as obras do grande pintor novaiorquino, Edward Hopper (1882-1967), podemos ver a realidade social americana refletida ali de maneira arquetípica. Traça a vida americana como tensão entre natureza e cultura, permanência e conjuntura, tempo e distância, próprio e estranho ­ não verdadeiramente próximos.


Mas essa proximidade intelectual seria inconclusa se não acrescentarmos a vontade sustentada pela minoria afrodescendente para alcançar o que conseguiu. Não esqueçamos que de 300 milhões de habitantes que o censo de 2006 registra, 74% são brancos, e 12% (36 milhões) são afroamericanos, o que quer dizer que, não somente negros votaram pelo candidato democrata.



Filho da nação do espetáculo,
novo líder é o produto
mais refinado do
ideal americano


Sangue, suor, lágrimas, destrezas, capacidades, produtividade, elegância e ritmo demonstraram esses descendentes de escravos para ocupar seu lugar numa sociedade que os renegou e os lançou às mãos do Ku Klux Klan, da CIA, da repressão física e psicológica, criando uma sociedade de desigualdades raciais. Há algum tempo, os EUA começaram a desembaraçar a complexa rede de incompreensão e a correr atrás dos prejuízos. E, por que não dizer, a sociedade branca se envolveu numa aparência mais porosa e elástica.


Os hippies, por exemplo, com o seu ideal de paz e amor, criaram uma ilusão que hoje sai pelos poros buscando a luz. Os governos Kennedy, Carter e Clinton, por sua vez, deram passos em direção à abertura, e se Lavoisier tinha razão quando
dizia que nada se perde e sim se transforma – ­ temos de dar crédito a estas decisões tomadas pelo poder e a sociedade branca.


Aretha Franklin, a rainha do soul, nascida nem mais nem menos do que em Memphis, Tennessee, nunca imaginou que cantaria na cerimônia de posse de um presidente dos Estados Unidos da América com o qual compartilharia, entre outras coisas, a cor da pele. Com orgulho, dignidade e vocação democrática, o público, não sei se poderíamos dizer o povo, a escutou num ato em que George Bush também se despediu. Amém.


Agora Obama não é negro nem branco. É o presidente da nação mais poderosa e frágil do planeta e representa uma esperança para os seus e para o resto dos países da Terra, que somos todos.


Façamos votos para que o seu mandato seja de paz, compreensão e resgate da imagem internacional deteriorada de seu país que tanto alimentou a esquerda e o terrorismo internacional. Que seja semeado de princípios democráticos pelos que aqui, na Venezuela, também lutam com garra, agora que isso virou algo tão raro.
Não esqueçamos que
74% da população é de brancos ­
não só negros votaram

*Leandro Area - ANALISTA DO INSTITUTO DE ESTUDOS POLÍTICOS DA UNIVERSIDADE CENTRAL DA VENEZUELA

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