sábado, 29 de novembro de 2008

CUIDADO COM OS NUMERATI

Stephen Baker
Uma nova elite de cientistas
tem o poder de
vasculhar nossa vida
no mundo on-line,
diz o escritor
Peter Moon

Eles formam uma elite de cientistas com a missão de vasculhar montanhas de dados em busca de padrões para descrever o comportamento humano. São os Numerati, o título do livro do jornalista americano Stephen Baker, da revista BusinessWeek. Segundo ele, os Numerati querem criar um modelo virtual de cada consumidor do planeta, usando-o para analisar nossas ações no mundo on-line e oferecer produtos no exato instante em que os desejarmos. Um exemplo de seu poder? Eles ajudaram Barack Obama a vencer as eleições americanas.

QUEM É O jornalista Stephen Baker, de 53 anos, está na
revista BusinessWeek desde 1987, onde cobre a área de tecnologia
O QUE FEZ Escreveu para os jornais Wall Street Journal, Los Angeles Times e
Boston Globe
O QUE PUBLICOU The Numerati (2008)
É co-autor do Blogspotting.net, o blog da BusinessWeek
que busca entender como a tecnologia está mudando os negócios

ÉPOCA – Quem são os Numerati?

Stephen Baker – São uma elite global de cientistas da computação e matemáticos que analisam todos os nossos movimentos. Eles vasculham montanhas de dados à procura dos nossos padrões de comportamento, para poder prever o que iremos comprar, em qual candidato votaremos ou qual trabalho faremos melhor. Alguns tentam até mesmo encontrar possíveis casais. O Google e a IBM estão infestados de Numerati.

ÉPOCA – Eles são perigosos?

Baker – É preciso ter cuidado com eles. Têm um poder sem precedentes para desvendar nossos segredos. E cometem erros o tempo todo – porque lidam com estatística e probabilidade. O poder deles sobre sua vida depende de quanta informação particular você quer deixar nas mãos de uma única empresa. Você pode preferir dividir seu relacionamento on-line entre várias empresas.

ÉPOCA – Todos os meses, o Yahoo reúne 110 bilhões de dados sobre seus usuários. Quais são os números do Google?

Baker – O Google tem menos dados de seus usuários que o Yahoo, pois não os conhece tão bem. O Yahoo tem mais serviços com registro obrigatório. É uma das razões por que o Google criou o Gmail, para nos conhecer melhor.

ÉPOCA – Há quem não veja problema no uso dessas informações para fins publicitários. Afinal, vivemos em democracias. Mas isso pode mudar, não?

Baker – Exatamente. Logo após os ataques de 11 de setembro de 2001, o governo Bush começou a se comportar cada vez menos como um governo democrata, assumindo poderes excepcionais. Se a Casa Branca achasse que obter acesso aos dados do Google ajudaria a capturar terroristas, ela o faria. Aí, a questão seria outra: não temos razão para suspeitar que o Peter é um terrorista, mas parece que ele está sonegando impostos. Uma vez que o governo tenha acesso a nossos dados, poderá usá-los para qualquer fim.

ÉPOCA – Quais são as chances de alguém estar nos observando a cada tecla que digitamos no computador do trabalho?

Baker – Pequenas. A maioria das empresas ainda não tem esse grau de sofisticação. Só grandes grupos como a IBM, a Microsoft e o Google começam a observar o comportamento de seus funcionários de modo mais sofisticado. Não quer dizer que os programas para filtrar o uso da internet, para descobrir se os funcionários olham sites pornográficos ou enviam dados confidenciais, não estejam disseminados. Para mim, é interessante notar que as mesmas ferramentas usadas para nos monitorar podem ser empregadas para entender nosso comportamento e otimizar nossa produtividade.

ÉPOCA – Dê um exemplo.

Baker – A Knoa Software tem um programa para saber como as pessoas usam os diversos programas nas empresas. O objetivo é tornar os empregados mais produtivos. Suponha que alguém não esteja usando um programa caríssimo que a empresa comprou, mas o funcionário a seu lado está. Ao descobrir quem não usa o programa, a empresa pode oferecer treinamento – ou decidir demiti-lo.

ÉPOCA – Mas quem não usa o novo programa pode ser de outra geração, que prefere fazer do jeito antigo.

Baker – Talvez o método antigo funcione melhor, mas o funcionário que não usa o novo programa não tem sua produtividade aferida. Portanto, seu trabalho não pode ser avaliado, e o resultado pode ser a demissão. Muitas vezes, as pessoas beneficiadas pelas novas tecnologias, e que recebem promoções e aumentos, não são as que fazem o melhor trabalho. O ponto principal do livro é mostrar que nossas vidas serão cada vez mais investigadas. Temos de entender como estamos sendo avaliados, para poder atender às expectativas dos chefes. O emprego de quem não se adaptar correrá risco.

ÉPOCA – A inspiração para o livro foi o projeto da IBM de estudar o comportamento de seus 300 mil funcionários e criar modelos virtuais de cada um deles. Quando esse futuro baterá a nossa porta?

Baker – Esse futuro já chegou, só que ainda de uma forma muito crua, pouco sofisticada. Na IBM, podem-se achar entre os 300 mil empregados aqueles com as aptidões necessárias para formar a melhor equipe para determinado objetivo. Eles podem estar no Brasil. À medida que o programa for se sofisticando, investigará as aptidões para formar a melhor equipe em termos de compatibilidade ou porque seus membros moram uns perto dos outros, reduzindo os custos de viagem.
“No Kansas, estão pondo chips no gado para rastrear e monitorar seu comportamento. No futuro, essa tecnologia será usada em você”

ÉPOCA – Barack Obama usou essa tecnologia para ganhar as eleições...

Baker – O Partido Democrata contratou uma consultoria para usar os dados dos consumidores americanos e dividir a população em dez “tribos”, baseadas em diferentes crenças e valores. A consultoria entrevistou 4 mil eleitores americanos. Foi feito todo tipo de perguntas sobre o que pensavam do futuro, o que temiam, onde depositavam suas esperanças, o que queriam para os filhos, se acreditavam em Deus etc. Em seguida, a consultoria dividiu os entrevistados em grupos. Um grupo estava interessado em justiça e outro em sua comunidade. Os integrantes desses dois grupos poderiam votar tanto em republicanos quanto em democratas. Mas havia outros grupos mais interessados em liberdade. Eram os indecisos, que poderiam seguir para um lado ou para o outro. Os democratas focaram sua atenção nesses eleitores. Queriam encontrá-los no meio dos 175 milhões de eleitores americanos. A partir das respostas dos entrevistados, a consultoria criou um modelo matemático dos indecisos, para descobrir quais revistas tinham mais chances de assinar, o que pensavam, quantos filhos tinham, onde moravam, cada detalhe da vida que pudessem pinçar. Com essas respostas, publicaram anúncios publicitários com conteúdo específico nas revistas certas. Para Howard Dean, o presidente do Partido Democrata, com os dados dos consumidores pode-se prever com 85% de certeza qual candidato cada um de nós escolherá. Lembra o Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Devemos estar vigilantes em relação aos Numerati. Seu poder rivaliza com o do Grande Irmão!

ÉPOCA – Quais são as conseqüências da crise econômica para os Numerati?

Baker – Para os Numerati, a crise é muito boa. As empresas terão de cortar custos e ser mais eficientes. Quanto mais informação elas tiverem, quanto melhor conhecerem seus consumidores, mais inteligentemente elas poderão concentrar seus esforços. Para os Numerati, não vai faltar emprego.

ÉPOCA – Dê um exemplo de um uso surpreendente da tecnologia dos Numerati.

Baker – Creio que este exemplo interessará aos brasileiros, porque seu país é um grande produtor de carne. Há uma curiosa experiência em andamento entre os pecuaristas do Estado do Kansas. Eles estão colocando chips com transmissão sem fio no estômago do gado, para monitorar cada movimento de cada boi. O objetivo é descobrir correlações entre o comportamento do gado e a qualidade da carne, para otimizar sua produção. É preocupante saber que, se os pesquisadores obtiverem sucesso em detectar o padrão de comportamento do gado, no futuro essa tecnologia será usada em você.

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