sexta-feira, 14 de novembro de 2008

ADÉLIA PRADO - Convicções de poeta

A morte e consciência de finitude humana são duas das principais questões que a sua obra contempla. Não acha que a certeza da morte deveria aplacar a falta de serenidade da alma humana?
Deveria, se nós não quiséssemos ser infinitos e imortais. Tem até a Academia Brasileira de Letras (ABL) para você virar imortal. Que dizer, você nasce para a vida, não quer morrer. Mesmo a pessoa que deseja morrer, só tem este sentimento porque tem uma vida ruim e queria uma melhor. Por isso, a finitude é realmente um tormento, assim como o tempo. Apesar de sermos finitos, nós intuímos e desejamos o infinito, a vida eterna, que não se acaba, a felicidade, saúde, alegria e beleza. Nós queremos tudo isso. Se não quiséssemos isso, a vida perene não teria a menor importância. Tudo o que fazemos é mascarar a morte. A cultura é uma espécie de defesa contra a morte, uma forma de esquecê-la um pouquinho. Ir ao baile, fazer uma festa, escrever um livro, é tudo empenho para esquecer a existência dela.
A perda de sua mãe, quando ainda era jovem, e de seu pai, refletiram em sua obra. Como tais fatos a modificaram?
Da mesma forma que modifica a vida de todo mundo, sendo escritor ou não. Enquanto você tem seus pais, acaba vivendo, de certa forma, numa bolha, como se fosse eterno. Você experimenta o sentido da proteção. Com a perda dos pais, você é confrontado com uma realidade com a qual não quer lidar de jeito nenhum. O inimigo número 1 é a morte. Se você tem um mínimo de consciência, a morte te leva fatalmente ao amadurecimento. Acredito que uma obra, feita depois de uma perda dessas, tenha o mesmo efeito de uma guerra, da fome, da peste. Essas coisas afetam o homem e atingem aquilo que ele produz. A arte não está num patamar desligado da experiência cotidiana. Enquanto nascimento do homem, ela tem a sua letra, o seu timbre, e é afetada pelos fatos, pelos acontecimentos. Então, certamente eu estaria escrevendo outra coisa, não sei.
A figura materna foi a forma que encontrou para dialogar com sua mãe?
Fica sendo, mas não é uma intenção. Eu não poderia escrever para dialogar com minha mãe. Isso seria equivocado. O livro, seja sobre o assunto que for, não é escrito para nada. Você não escreve para algo. Não tem uma intenção. Algumas coisas pedem expressão. A arte é expressão pura, não é discurso. Não é para dialogar. Às vezes, até dialoga, mas não foi escrito com essa intenção. Tudo a priori é um equívoco muito grande e quase certeza de fracasso.
Por isso, acha que a literatura engajada já esteja fadada ao esquecimento?
O engajamento é isso. “Olha, eu sou um escritor e agora vou contribuir com meu país e, por isso, vou escrever um livro sobre ecologia”. Devo ficar caladinha e não falar a palavra ecologia, porque não é isso que vai mover as pessoas. Agora, se eu der conta de escrever um poema maravilhoso, e as pessoas que o lerem disserem: “Agora eu não quero cortar mais árvores!”, então terei cumprido a missão para a qual me propus, sem ser didática, nem catequista-apostólica. Eu fiz algo que vai levar as pessoas a preservar a natureza, mas a força é da arte, da beleza, enfim, da palavra. Essa coisa de engajamento não, isso deixa para o discurso político, sociológico, para as escolas. A obra de arte não pode ser didática. Didatismo é muito chato. Você vai ler o romance e o autor fica ensinando permanentemente uma coisa, você não agüenta.
Concorda quando os críticos falam que sua obra é impregnada de religiosidade e valorização do feminino?
Quanto à religiosidade, não é minha obra não! Toda obra de arte verdadeira – e eu suponho que esteja fazendo arte, isto é, que esteja escrevendo literatura de verdade – tem um fundamento de ordem religiosa, queira o autor ou não. Primeiro, trata-se de uma atividade da vida simbólica, pois a criação artística é da esfera do simbólico. Os procedimentos da fé e da mística também são dessa natureza. Então, estas duas experiências, estas duas atividades têm um fundo comum. Ainda que o autor se proclame agnóstico ou ateu, a obra o contradiz, porque está acima disso e, queiramos ou não, tem esse fundamento de natureza transcendental, que nós podemos chamar de religioso.
(Revista CULTURA da Livraria Cultura. nov/2008 - Reportagem de Amilton Pinheiro)

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