domingo, 30 de novembro de 2008

TODOS POR UM


O que diferencia o eco-design do design sustentável?
E o que é o tal “design da necessidade”?
Entenda o conceito e veja os principais exemplos
na conversa com
Fernando Mascaro, arquiteto e
especialista em design sustentável


Por Camila Hessel

“Ainda há uma série de dúvidas sobre as melhores definições de sustentabilidade. Quando falamos de design, a coisa pega fogo”, diz Fernando Mascaro, arquiteto paulistano que, há seis anos, se mudou para Ribeirão Preto, no interior do estado, onde atua como consultor em design. Sua especialidade é o design sustentável e ele é um dos membros do comitê de sustentabilidade hoje em fase de implementação na Grendene. É também parceiro do estúdio francês O2, que ajudou a disseminar a discussão com a publicação do livro “Haverá a Idade das Coisas Leves”, editado no Brasil pelo Senac, com patrocínio da Melissa. Para Mascaro, eco-design, design sustentável e design da necessidade não passam de variações de um mesmo tema. “Dissecar cada um dos conceitos evita que falemos a mesma coisa em diferentes línguas e estimula a discussão.”

Design da Necessidade
É o resultado da criatividade de quem não tem acesso a um bem ou produto e precisa (ou quer) tê-lo. Por necessidade, quem desenvolve o produto se vale dos mais diversos materiais, resíduos ou sobras de outros objetos, da produção industrial, do pós-consumo, do descarte para construir um ou dois exemplares — não mais do que isso.
É o ventilador construído com partes de outros objetos, com base de telefone e sustentado por um tubo de PVC; a antena de TV feita com bambu ebandejas de comida conhecidas como “quentinhas”. É também a bóia de braços para ciranças feita de garrafas PET ou a tradicional cesta de lixo feita com latão de tinta, a cadeira de plástico quebrada que se mantém em uso apoiada sobre pés de ferro...

EcoDesign
“É nesse aspecto, justamente, que se aquece o debate”, afirma Mascaro. Ele chama de EcoDesign o produto concebido e projetado intencionalmente para a produção manufaturada ou semi-industrial. Não são produtos de grande escala: os volumes comercializados são pequenos, de dezenas ou centenas de exemplares. Em sua composição entram tanto matérias primas virgens quando recicláveis e/ou recicladas.
É a poltrona de madeira certificada projetada pelos Irmãos Campana; a sacola feita com rejeitos de backlights ou outros materiais publicitários e as bolsas feitas com tampinhas de latas de cerveja. É também a fruteira moldada com antigos discos de vinil, os móveis feitos com caixotes de verduras.
Uns são fontes de geração de renda, como as casinhas de cachorro vendidas na Marginal Tietê ou as atividades artesanais gerenciadas por ONGs em comunidades. Outros são vendidos em lojas de design, são quase esculturas, obras de arte. Neste caso último caso está atrelado a um autor ou a uma grife e, normalmente tem faixas de preço bem mais altas do que os produtos industrializados.

Design Sustentável
Esse é um viés do design relegado a um plano pouco lembrado, mas que, pensando em resultados econômicos-sociais-ambientais, deve ser visto como a principal ferramenta para o desaquecimento global.Em sua base está uma postura: a de que podemos agir e modificar processos de concepção, projeto, especificação, produção e consumo para mercados de alta competitividade e altíssimos volumes. É abrangente. Pode ser aplicado desde um abridor de latas a um automóvel e envolve processos industriais sofisticados e complexos.
Por isso, a linha-mestra do design sustentável é a simplicidade. Seja na hora de projetar, de produzir ou de delimitar as propostas de uso. “Nada invalida o valor e o status que os projetos autorais e exclusivos proporcionam, apenas chamo a atenção para investirmos mais tempo nos produtos que geram milhares e milhões de exemplares e, portanto, milhares e milhões de coisas que serão, inevitavelmente, descartadas” diz Mascaro. “Experimente, por exemplo, dar um passeio numa loja de tralhas eletrônicas com este olhar.”
Ciente do tamanho da tarefa que é projetar para as grandes massas, Mascaro gosta de utilizar a definição de simplicidade adotada pelo professor John Maeda, do Media Lab do MIT: “simplicidade é subtrair o óbvio e acrescentar o significativo”. Para isso, é preciso aceitar que o trabalho do designer deixa de ser autoral, passando a ser coletivo, compartilhado. É também necessário projetar com os olhos de quem consome.
“Imagine o que é conceber um dormitório completo para ser comprado por R$699,99”, diz Mascaro. “Nós designers temos de entender melhor e respeitar os determinantes de compra dos produtos populares. Para ser barato não precisa ser feio.” É nesse território que os exemplos ainda são poucos. No Brasil, a Grendene é um deles. A fabricante de objetos para o lar Coza é outro. Os automóveis multicombustíveis, híbridos ou elétricos também fazem parte da lista. Na França, a marca de água Evian utiliza garrafas PET projetadas para ser encolhidas com um pequeno apertão depois de esvaziadas.Esse tipo de trabalho requer equipes multidisciplinares. Engenheiros, arquitetos, marketeiros, profissionais de suprimentos, químicos, técnicos, estilistas de moda, sociólogos e, claro, designers. Só assim é possível ter uma visão abrangente dos processos produtivos e projetar produtos que sejam eficientes em termos ambientais, mas também econômicos e sociais. “As consequências de se projetar mal estão aí, nos altos volumes de descarte, por exemplo”, diz Mascaro.
“Ao invés de investirmos tempo e dinheiro em administrar resíduos, temos que nos concentrar no antes, na concepção. É aí que tudo tem de ser decidido, especificado.”
(A reportagem é da revista ÉPOCANEGÓCIOS - Edição 21 - novembro de 2008 -13/11/2008)

A ERA DO EGO


MOACYR SCLIAR

A historinha tem origem desconhecida, mas vale a pena contar.
Um escritor, vaidoso como costumam ser alguns escritores, está conversando com um amigo. Fala non-stop sobre seu tema preferido: ele próprio.
Fala, fala, até que de repente dá-se conta de que aquilo não é justo.
– Só falamos de mim – diz – vamos falar um pouco de você.
E pergunta:– O que você acha da minha obra?
O anônimo escritor não é um caso isolado. O pronome “eu” está cada vez mais presente em livros, em blogs, em artigos. Na ficção, o tradicional narrador onisciente, que falava na terceira pessoa, foi para o espaço. Uma tendência que, é bom ressaltar, não vem de hoje. Ela faz parte da História, com H maiúsculo.
***
A modernidade vê o despertar do eu. A noção de indivíduo afirma-se cada vez mais e é reforçada por um sistema econômico que privilegia a iniciativa privada. Desse processo dá testemunho um objeto que então torna-se muito popular: o espelho. Todo mundo quer ter espelho; todo mundo cultiva a própria imagem. Desaparece o anonimato na arte, na literatura. Autores de textos como o Antigo Testamento eram desconhecidos, e o mesmo sucedia com as obras de arte que figuravam nas igrejas. Agora, não. Agora os autores querem ser conhecidos, prestigiados, e, se possível, bem pagos.
***
Sigmund Freud, que adorava ficção, criou três míticos personagens para explicar o funcionamento de nosso psiquismo: o Id, que corresponde aos nossos instintos, o Ego, que somos nós mesmos ou a imagem que de nós fazemos, e o Superego, que corresponde aos dispositivos morais que nos guiam. Ao longo da história da humanidade, cada uma dessas figuras teve o seu período de predominância, a começar pelo Id, o troglodita. O homem das cavernas era guiado pelos dois instintos básicos, o instinto de sobrevivência e o instinto da reprodução. Faria o que pudesse para conseguir comida e fêmeas; inclusive mataria seus competidores sem o menor problema. Mas, à medida que a vida social foi se desenvolvendo, esse estilo de conseguir as coisas revelou-se contraproducente, quando não perigoso. Tornava-se necessário um jeito de conter a violência. É então que emerge o Superego.A melhor representação do Superego é a divindade, sobretudo o Deus do monoteísmo, o Deus barbudo, poderoso, o Deus que vê tudo, que sabe tudo, que castiga o Mal e recompensa o Bem. É o Deus das três grandes religiões – judaísmo, cristianismo, islamismo – e consolidou-se na Idade Média.Ego, Superego, Id. O cenário para a grande encenação de nossas vidas está armado e nele o Ego será o ator principal.
***
A irrupção do individualismo tem seu preço. O Ego triunfa, ocupa espaço; precisa, porém, civilizar-se. Exibir-se, sim, mas ao menos fingindo cortesia (“Vamos falar um pouco de você”). O Id, agora reprimido, protesta; o Superego, por sua vez, continua fazendo exigências religiosas, morais. Resultado: conflito, triste conflito. Não por acaso a modernidade nasce melancólica, não por acaso a depressão é cada vez mais freqüente e, não por acaso, surge a psicanálise. O divã e o Prozac são as muletas terapêuticas do Ego. O mundo, às vezes, é pequeno para tanto Eu, para a epidemia de narcisismo.
***
E como é que a gente lida com essa situação? Devemos negar o nosso eu, devemos sumir no grupo, na comunidade, na multidão?De jeito nenhum. A emergência do eu resultou da evolução da humanidade; é um sinal de progresso, e de progresso irresistível. Tudo o que a gente precisa fazer é modular o nosso eu, é sintonizá-lo com outros eus. “Eu” tem de soar como “nós”. Se, ao falarmos de nós próprios, traduzimos sentimentos, idéias e emoções que podem ser partilhados pelos outros, estaremos nos valorizando sem desvalorizar nossos semelhantes.Fácil de dizer, difícil de fazer, ponderarão vocês. Verdade. Mas com a prática a gente aprende. Como aprenderia o escritor de nossa historinha, se tivesse tempo e humildade suficientes.
(Zero Hora, Porto Alegre, 30 de novembro de 2008)

DECIFRANDO A "MENTE DE DEUS"

Marcelo Gleiser*

Por que sempre buscamos ver a natureza em ordem?

Somos amantes da regularidade.O que foge aos padrões da normalidade, o comportamento irregular, inesperado, incontrolável, é sempre visto com censura ou mesmo com medo. Isso é tanto verdade na sociedade quanto na natureza.
Quando os primeiros humanos olharam na direção dos céus, perceberam que existiam dois tipos de fenômenos. Os que se repetiam regularmente, como o ciclo das estações do ano, e os inesperados, como o aparecimento de cometas.
Reconhecer esses padrões regulares se fez necessário para a nossa sobrevivência como espécie. Se um caçador na floresta via algo que fugia ao normal, logo ficava alerta. Podia ser um predador, um inimigo ou, com sorte, comida. Evoluímos com a capacidade mental de reconhecer padrões.
A matemática nada mais é do que a linguagem que criamos para descrever esses padrões. Na geometria, descrevemos os padrões espaciais, as formas da natureza e as suas simetrias.
Na aritmética e na álgebra, lidamos com padrões entre números e suas relações. Quando Pitágoras criou sua seita no sul da Itália, em torno de 600 a.C., seu objetivo místico-filosófico era a compreensão dos padrões da natureza através da matemática.
Para os pitagóricos, tudo era número. A essência do conhecimento começava com a matemática e terminava na descrição da mente do "criador" -da sua criação- como um elaborado mosaico de padrões. O filósofo era quem se dedicava a esses estudos, uma espécie de matemático-sacerdote. É natural supor que, com o desenvolvimento da ciência, essas idéias tenham caído em desuso.
Afinal, nenhum matemático ou físico moderno -ou quase nenhum- se diz um místico em busca de desvendar os segredos matemáticos da mente de Deus. Porém, é talvez surpreendente o quanto essa metáfora ainda é usada, o "desvendar a mente de Deus" como sendo o objetivo final da ciência. Um exemplo recente é o de Stephen Hawking em seu livro "Uma Breve História da Tempo". Como o dele, existem vários outros. Por que isso?
A história é longa demais para uma coluna (estou escrevendo um livro sobre o assunto), mas podemos começar a partir de Kepler. No início de século XVII, ele tentou criar um modelo geométrico do cosmo usando os cinco sólidos platônicos (o cubo e a pirâmide são dois deles).
A idéia, meio genial e meio louca, era realizar o sonho pitagórico, obter o padrão geométrico da criação. Pulando para Einstein, sua teoria da relatividade foi o próximo grande passo.
Claro, o modelo de Kepler estava errado e a teoria de Einstein funciona muito bem.
Einstein, influenciado por Spinoza que, por sua vez, foi influenciado por Platão que, por sua vez, foi influenciado por Pitágoras, queria obter uma descrição geométrica do mundo, que ele atribuía à uma inteligência abstrata. Não o Deus judaico-cristão, com certeza. Mas a racionalidade que via manifesta nos padrões do mundo à nossa volta.
Einstein passou as últimas duas décadas de sua vida buscando por uma teoria unificada das forças gravitacional e eletromagnética.
Para ele, essa unificação era inevitável, a expressão mais cristalina da inteligência da natureza. Einstein falhou em sua empreitada, mas outros continuam buscando por essa unificação geométrica, a versão científica da "mente de Deus".
A falta de resultados experimentais indicando a direção certa dificulta muito as coisas. Ou, talvez a natureza esteja tentando nos dizer algo: a ordem que tanto buscamos nela é, na verdade, a ordem que buscamos em nossas vidas.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"

OS PESSIMISTAS

Os pessimistas me aborrecem.
Fazem, como dizia Oduvaldo Viana Filho,
“do medo de viver um espetáculo de coragem”.
Vivem de mal com a vida. Estão sempre em posição de combate.
Não olham para frente.
São homens e mulheres de retrovisor.
À semelhança de Quixote, vivem lutando contra moinhos de vento.
Falta-lhes equilíbrio, serenidade e bom senso.
(Jornal Correio Popular, Campinas, SP, 30/11/2008 - Carlos Alberto Di Franco in: Hambúrguer vesus qualidade).

sábado, 29 de novembro de 2008

CUIDADO COM OS NUMERATI

Stephen Baker
Uma nova elite de cientistas
tem o poder de
vasculhar nossa vida
no mundo on-line,
diz o escritor
Peter Moon

Eles formam uma elite de cientistas com a missão de vasculhar montanhas de dados em busca de padrões para descrever o comportamento humano. São os Numerati, o título do livro do jornalista americano Stephen Baker, da revista BusinessWeek. Segundo ele, os Numerati querem criar um modelo virtual de cada consumidor do planeta, usando-o para analisar nossas ações no mundo on-line e oferecer produtos no exato instante em que os desejarmos. Um exemplo de seu poder? Eles ajudaram Barack Obama a vencer as eleições americanas.

QUEM É O jornalista Stephen Baker, de 53 anos, está na
revista BusinessWeek desde 1987, onde cobre a área de tecnologia
O QUE FEZ Escreveu para os jornais Wall Street Journal, Los Angeles Times e
Boston Globe
O QUE PUBLICOU The Numerati (2008)
É co-autor do Blogspotting.net, o blog da BusinessWeek
que busca entender como a tecnologia está mudando os negócios

ÉPOCA – Quem são os Numerati?

Stephen Baker – São uma elite global de cientistas da computação e matemáticos que analisam todos os nossos movimentos. Eles vasculham montanhas de dados à procura dos nossos padrões de comportamento, para poder prever o que iremos comprar, em qual candidato votaremos ou qual trabalho faremos melhor. Alguns tentam até mesmo encontrar possíveis casais. O Google e a IBM estão infestados de Numerati.

ÉPOCA – Eles são perigosos?

Baker – É preciso ter cuidado com eles. Têm um poder sem precedentes para desvendar nossos segredos. E cometem erros o tempo todo – porque lidam com estatística e probabilidade. O poder deles sobre sua vida depende de quanta informação particular você quer deixar nas mãos de uma única empresa. Você pode preferir dividir seu relacionamento on-line entre várias empresas.

ÉPOCA – Todos os meses, o Yahoo reúne 110 bilhões de dados sobre seus usuários. Quais são os números do Google?

Baker – O Google tem menos dados de seus usuários que o Yahoo, pois não os conhece tão bem. O Yahoo tem mais serviços com registro obrigatório. É uma das razões por que o Google criou o Gmail, para nos conhecer melhor.

ÉPOCA – Há quem não veja problema no uso dessas informações para fins publicitários. Afinal, vivemos em democracias. Mas isso pode mudar, não?

Baker – Exatamente. Logo após os ataques de 11 de setembro de 2001, o governo Bush começou a se comportar cada vez menos como um governo democrata, assumindo poderes excepcionais. Se a Casa Branca achasse que obter acesso aos dados do Google ajudaria a capturar terroristas, ela o faria. Aí, a questão seria outra: não temos razão para suspeitar que o Peter é um terrorista, mas parece que ele está sonegando impostos. Uma vez que o governo tenha acesso a nossos dados, poderá usá-los para qualquer fim.

ÉPOCA – Quais são as chances de alguém estar nos observando a cada tecla que digitamos no computador do trabalho?

Baker – Pequenas. A maioria das empresas ainda não tem esse grau de sofisticação. Só grandes grupos como a IBM, a Microsoft e o Google começam a observar o comportamento de seus funcionários de modo mais sofisticado. Não quer dizer que os programas para filtrar o uso da internet, para descobrir se os funcionários olham sites pornográficos ou enviam dados confidenciais, não estejam disseminados. Para mim, é interessante notar que as mesmas ferramentas usadas para nos monitorar podem ser empregadas para entender nosso comportamento e otimizar nossa produtividade.

ÉPOCA – Dê um exemplo.

Baker – A Knoa Software tem um programa para saber como as pessoas usam os diversos programas nas empresas. O objetivo é tornar os empregados mais produtivos. Suponha que alguém não esteja usando um programa caríssimo que a empresa comprou, mas o funcionário a seu lado está. Ao descobrir quem não usa o programa, a empresa pode oferecer treinamento – ou decidir demiti-lo.

ÉPOCA – Mas quem não usa o novo programa pode ser de outra geração, que prefere fazer do jeito antigo.

Baker – Talvez o método antigo funcione melhor, mas o funcionário que não usa o novo programa não tem sua produtividade aferida. Portanto, seu trabalho não pode ser avaliado, e o resultado pode ser a demissão. Muitas vezes, as pessoas beneficiadas pelas novas tecnologias, e que recebem promoções e aumentos, não são as que fazem o melhor trabalho. O ponto principal do livro é mostrar que nossas vidas serão cada vez mais investigadas. Temos de entender como estamos sendo avaliados, para poder atender às expectativas dos chefes. O emprego de quem não se adaptar correrá risco.

ÉPOCA – A inspiração para o livro foi o projeto da IBM de estudar o comportamento de seus 300 mil funcionários e criar modelos virtuais de cada um deles. Quando esse futuro baterá a nossa porta?

Baker – Esse futuro já chegou, só que ainda de uma forma muito crua, pouco sofisticada. Na IBM, podem-se achar entre os 300 mil empregados aqueles com as aptidões necessárias para formar a melhor equipe para determinado objetivo. Eles podem estar no Brasil. À medida que o programa for se sofisticando, investigará as aptidões para formar a melhor equipe em termos de compatibilidade ou porque seus membros moram uns perto dos outros, reduzindo os custos de viagem.
“No Kansas, estão pondo chips no gado para rastrear e monitorar seu comportamento. No futuro, essa tecnologia será usada em você”

ÉPOCA – Barack Obama usou essa tecnologia para ganhar as eleições...

Baker – O Partido Democrata contratou uma consultoria para usar os dados dos consumidores americanos e dividir a população em dez “tribos”, baseadas em diferentes crenças e valores. A consultoria entrevistou 4 mil eleitores americanos. Foi feito todo tipo de perguntas sobre o que pensavam do futuro, o que temiam, onde depositavam suas esperanças, o que queriam para os filhos, se acreditavam em Deus etc. Em seguida, a consultoria dividiu os entrevistados em grupos. Um grupo estava interessado em justiça e outro em sua comunidade. Os integrantes desses dois grupos poderiam votar tanto em republicanos quanto em democratas. Mas havia outros grupos mais interessados em liberdade. Eram os indecisos, que poderiam seguir para um lado ou para o outro. Os democratas focaram sua atenção nesses eleitores. Queriam encontrá-los no meio dos 175 milhões de eleitores americanos. A partir das respostas dos entrevistados, a consultoria criou um modelo matemático dos indecisos, para descobrir quais revistas tinham mais chances de assinar, o que pensavam, quantos filhos tinham, onde moravam, cada detalhe da vida que pudessem pinçar. Com essas respostas, publicaram anúncios publicitários com conteúdo específico nas revistas certas. Para Howard Dean, o presidente do Partido Democrata, com os dados dos consumidores pode-se prever com 85% de certeza qual candidato cada um de nós escolherá. Lembra o Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Devemos estar vigilantes em relação aos Numerati. Seu poder rivaliza com o do Grande Irmão!

ÉPOCA – Quais são as conseqüências da crise econômica para os Numerati?

Baker – Para os Numerati, a crise é muito boa. As empresas terão de cortar custos e ser mais eficientes. Quanto mais informação elas tiverem, quanto melhor conhecerem seus consumidores, mais inteligentemente elas poderão concentrar seus esforços. Para os Numerati, não vai faltar emprego.

ÉPOCA – Dê um exemplo de um uso surpreendente da tecnologia dos Numerati.

Baker – Creio que este exemplo interessará aos brasileiros, porque seu país é um grande produtor de carne. Há uma curiosa experiência em andamento entre os pecuaristas do Estado do Kansas. Eles estão colocando chips com transmissão sem fio no estômago do gado, para monitorar cada movimento de cada boi. O objetivo é descobrir correlações entre o comportamento do gado e a qualidade da carne, para otimizar sua produção. É preocupante saber que, se os pesquisadores obtiverem sucesso em detectar o padrão de comportamento do gado, no futuro essa tecnologia será usada em você.

ROMANCES HETEROCRÔMICOS

JOAQUIM ZAILTON BUENO MOTTA*
O amor romântico demanda alguma dose de heroísmo.
Não mais como nas fábulas, narrações lendárias e episódios reais que exigiram tragédias e renúncias quase insuportáveis, na maioria das vezes encaradas por um guerreiro machista. Porém, o romance não dispensa um toque heróico pela sua própria natureza.
Nos grandes clássicos do romantismo tradicional, vemos que Psiquê não podia acessar a identidade facial de Eros, em um dos mais intrigantes contos da mitologia grega; Abelardo e Heloísa tinham que ocultar de si próprios o desejo erótico que os inebriava, na Europa que ensaiava a era renascentista; Romeu e Julieta morreram pelo seu romance incompatível com a política das rivalidades familiares; já em nosso tempo, Camilla e Charles atravessaram anos de impostura aristocrática até conseguirem se casar.
Entre os muitos obstáculos da trajetória romântica, temos conflitos ideológicos, partidos políticos, as diferenças de classe social, de credo religioso, até mesmo de times preferidos. Um aspecto que agora se destaca é o do preconceito racial.
No Brasil, Ceci e Peri, em O Guarani, romance de José de Alencar, depois musicado em ópera por Carlos Gomes, formaram o par inter-racial primevo, segundo Zama Nascentes.
Durante o ano de 2004, a novela Da cor do pecado, na Rede Globo, mobilizou muita polêmica a respeito do par central, heterocrômico, e mais ainda sobre o título...
Na América do Norte, em setembro passado, a trama O Vizinho", dirigida por Neil LaBute, liderou a arrecadação de bilheteria nos cinemas do Canadá e Estados Unidos. É a história de um jovem casal inter-racial (ela é negra e ele, branco) que sofre com o vizinho policial que rejeita este tipo de união.
Até o século passado, a civilização ocidental esteve intolerante com o erotismo heterocrômico e com a homossexualidade, de modos invertidos.
No primeiro contexto, os pares intra-raciais se agregavam dentro das próprias etnias e desprezavam as outras. No segundo, os pares heterossexuais eram favorecidos enquanto se condenava a atração dos congêneres.
Hoje, podemos considerar esse panorama ultrapassado. Raças e gêneros podem se apresentar e se mesclar com liberdade. No festivo e marcante episódio das recentes eleições norte-americanas, a maioria branca e a minoria homossexual engrossaram a corrente da vitória democrática.
A progressiva tolerância que vai se transformando em simpatia é mais rápida com os homossexuais do que nas conexões inter-raciais.
O mundo comemora a escolha de Barack Obama como divisor de águas para o racismo. Foram decisivamente rompidas as barreiras que separavam as etnias? Nem todas.
A eleição política não garante águas tranqüilas para as relações amorosas. Provavelmente, as resistências racistas ainda solicitarão diligências dos amantes, muito mais do que pediram aos eleitores.
Quando o envolvimento é mais profundo entre duas pessoas, implicando corpo e espírito, a intimidade reivindica participação maior de cada uma.
Ao pretender uma relação erótico-afetiva, um indivíduo, em primeiro lugar, tem que sair dos seus próprios limites, passar pela auto-fiscalização alfandegária. Depois, apresentar-se-á para a inspeção na fronteira do outro.
Se o relacionamento for eventual, tudo será mais fácil, a visita se dará com visto de turista. Mas se a expectativa for se estabelecer no mundo da outra pessoa, haverá toda uma burocracia imigratória...
Diferenças financeiras podem ser diminuídas, interpretações sócio-culturais dependem de aprendizado. No plano étnico, poucos se disporiam a metamorfoses estilo Michael Jackson!
O amor heterocrômico implica alfândega mais rígida, reclama muito empenho dos amantes. Este é o vínculo sentimental que se manterá ainda por um bom tempo requisitando algumas ações heróicas (amorosas e não-sexistas) para sobreviver.
Interaja no GEA (Grupo de Estudos sobre o Amor) através do site: www.blove.med.br.

Reflexões morais de um pecador


Chega às livrarias o relato biográfico do maior nome da arte pop,
A Filosofia de Andy Warhol,
escrito em 1975 e traduzido pela primeira vez no Brasil
A reportagem é Antônio Gonçalves Filho do Estadão de sábado, 29 de novembro de 2008. Recortei algumas frases do pensador da arte pop:
Máximas
AUTO-RETRATO: “Sou uma pessoa profundamente superficial.”
FAMA: “No futuro, todos serão famosos por 15 minutos.”
PROFECIA: “Cansei de dizer que todos, no futuro, serão famosos por 15 minutos. Agora, o meu novo aforismo é: Em 15 minutos, todos serão famosos.”
CONSUMO: “Comprar é muito mais americano que pensar e eu sou absolutamente americano. Na Europa e no Oriente, pessoas gostam de comerciar - comprar e vender, vender e comprar; são basicamente mercadoras. Americanos não estão interessados em vender - na verdade, preferem jogar fora a vender. O que eles realmente pensam é em comprar - pessoas, dinheiro, países. Eu gosto mais de comprar cuecas.”
BELEZA: “Beleza não tem nada a ver com sexo. Beleza tem a ver com beleza, e sexo tem a ver com sexo.”
ARTE: “Arte Empresarial é uma coisa melhor de se fazer do que Arte Arte,porque Arte Arte não sustenta o espaço que ocupa, enquanto a Arte Empresarial sim. (Se a arte empresarial não sustentar o próprio espaço, ela vai à falência.)”
RESTOS: “Sempre gosto de trabalhar com restos, fazer as coisas de restos. É um procedimento econômico e engraçado.”

Um mundo de regiões mais utônomas

Marcelo Coutinho*

Até outro dia, para aprender minimamente como o mundo funcionava bastaria seguir a sugestão de Peter J. Katzenstein, em seu livro A world of regions, de pensar o mundo como regiões organizadas pelo império americano. Daqui para frente, no entanto, somente parte dessa compreensão resistirá à realidade de profundas mudanças internacionais em gestação desde a virada de século. Mais razoável hoje seria ver o mundo como regiões organizadas globalmente por múltiplos centros de poder assimétricos, em um contexto de decadência norte-americana relativa.

Essa caracterização das relações internacionais no século 21 não é definitiva, haja vista a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de explicar com precisão as mudanças enquanto elas ocorrem. De qualquer maneira, não é porque a ação política possa reverter tendências, que estas deixarão de existir. Atualmente, o mundo se inclina em duas direções simultâneas, mas não facilmente convergentes: fortalecimento das regiões e dos países emergentes fora dos centros econômicos tradicionais.

O Brasil, na América do Sul, é um caso perfeito para se entender uma política externa em tempos de mudança como estes. Como um dos principais emergentes, o país atua para realizar o destino manifesto de ser um colosso global, trabalhando para consolidar suas bases regionais a partir da união de todo o continente sul-americano. Dessa maneira, o Brasil duplica suas forças em escala econômica, PIB, população, recursos naturais e cacife político internacional, enquanto a vizinhança, cujos mercados internos são pequenos, tem a oportunidade de concretizar em todas as suas dimensões o bicentenário da independência, não sendo mais alvo da exploração primitiva ou mero campo descartável da disputa entre impérios estrangeiros mais preocupados com o desenvolvimento dos seus próprios territórios longíquos e adjacências.

Em tese, a quebra da hegemonia do hemisfério norte facilita o processo de emancipação sul-americana, porém isso está muito longe de significar uma trajetória suave de integração e liderança brasileira. O último caso de desalinhamento com o Equador mostra, uma vez mais, que o conceito de liderança natural é inapropriado e que o Brasil precisará lidar, pacientemente, com cada uma das crises regionais, erigindo sua liderança com a inteligência de quem atenua os choques e desvia das novas armadilhas montadas à medida que se alcança o objetivo da integração, adquirindo, assim, o respeito duradouro das demais nações. Isto tudo porque o Brasil é diferente. Seus propósitos não são ou não deveriam ser de dominação ou de um realismo barato curto-prazista, mas apenas de fazer convergir uma crescente importância brasileira no mundo com a necessidade de construção equilibrada do seu próprio espaço regional.

Um mundo de regiões mais autônomas pressupõe a coordenação de interesses e a formação de alianças estratégicas sólidas entre as nações. Por outro lado, a existência de países centrais em cada uma dessas regiões não reproduz forçosamente pequenos universos imperialistas. Disso depende a relação entre os países. Sempre vão existir pressões para que o Brasil, por exemplo, endureça com seus vizinhos chamados de "populistas" em resposta a supostas conspirações dos países menores. Nestes, por sua vez, costuma-se aflorar o medo atávico do gigantismo brasileiro.
Se tais sentimentos anti-integracionistas prosperassem então, provavelmente, todos da região perderiam o bonde da história, sem arquitetar um bloco sul-americano mais consistente nem consentir que o Brasil consolide na prática a liderança regional frente a sua própria aspiração globalizada.
*COORDENADOR DO OBSERVATÓRIO POLÍTICO SUL-AMERICANO, OPSA-IUPERJ

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

SOBRE LITERATURA E OUTROS DEFEITOS


Nenhum romance ou conto,
nem a soma do que li,
me humanizou ou me induziu
a ser uma pessoa melhor
André Resende
(14/11/2008)

Diante da audiência que se organizou para recepcioná-lo na entrega do prêmio Nobel de literatura de 1986, o poeta e ensaísta russo, radicado nos Estados Unidos, Joseph Brodsky (1940-1996), alertara a todos, em seu discurso, que a literatura melhora as pessoas. Em resumo, o leitor de literatura é beneficiado com um tipo de imanência que se desloca das estórias e dá uma compreensão especial ou particular da realidade. Não importa o teor das estórias, porque prevalece como essência um tônico que melhora a humanidade das pessoas e, assim, elas se tornam melhores.

Antes de qualquer coisa, se não aconselharei esse remédio sempre, devo dizer que o uso com freqüência.

Brodsky se esforçou para convencer que sua tese estava certa, provavelmente querendo ver que, pelo menos com ele, ser um leitor pleno de literatura melhorou-o como ser humano, mantendo-o atento e sensível para a vida.

Mesmo que não seja verdade para todos, que maravilha. Se se conhece alguém que se impregna de literatura sempre, mas é capaz de atos ilícitos e degradantes, rancorosos e ressentidos, odiosos, ainda assim, deve-se encorajar a interpretação de Brodski.

Em outro momento, quando disse que os livros de auto-ajuda não me faziam mal porque prometiam ajudar as pessoas a serem pessoas do bem, alguém me confidenciou rancores e ressentimentos que um escritor, ocupado com seus fantasmas pessoais, havia destilado contra mim, acreditando que, assim, estaria salvando a literatura.

Nenhum romance ou conto, nem a soma do que li, me humanizou ou me induziu a ser uma pessoa melhor. Ser uma pessoa melhor significaria olhar o mundo e as pessoas com uma delicadeza de quem viveu intensamente experiências de vida. Quantos livros de ficção nos levam até aí? É verdade que, depois de uma estória intensa, fechamos o livro e, se não nos tocar a ansiedade, um silêncio de paz se fecha e nos remete a pensar na vida.

Hoje, vejo que nem há unanimidade, nem franco favorito entre as pessoas leitoras que conheço. Se me pergunto qual livro marcou minha vida, não vou sair atado a esse ou aquele de Machado de Assis, nem Os meninos da Rua Paulo, nem O Apanhador no Campo de Centeio, entre outros, e para não citar os mestres do lugar-comum. Poderia dizer Vidas Secas, de Graciliano Ramos ou Cem anos de solidão, de Gabriel Garcia Marquez.

Não faria sentido dizer por dizer. Alguns escritores ganharam dimensão para mim depois, bem depois. Não sei dizer se me melhoraram como pessoa. Em alguns momentos, atiçaram a soberba e a arrogância, que consegui abandonar, graças à psicanálise – essa sim me ajudou a tentar ser uma pessoa em paz comigo, em paz com as pessoas, em paz com o mundo, em paz com quem sou, em paz com o que sou.

Com a literatura me guardo e me envolvo até bem longe em mim, sorrindo e de mim só reapareço quando pareço ser outro, coisa que não percebo ou me determino. De tanto viver, me recrio, aos poucos.

ONDE ESTÁ DEUS EM SANTA CATARINA?


Saramago evoca tragédia das chuvas:
"Onde está Deus em Santa Catarina?"
Fernanda BrambillaDo UOL NotíciasEm São Paulo


Nesta sexta-feira, o escritor português José Saramago evocou a tragédia causada pelas chuvas em Santa Catarina nos últimos dias, que deixaram 100 mortos.
Questionado se sua concepção de Deus tinha mudado após um período em que esteve enfermo, Saramago foi direto: "Onde está Deus em Santa Catarina?", perguntou o escritor, único português a ter sido coroado com o prêmio Nobel de literatura. "Nós nunca vimos Deus. É uma criação da Igreja. Nós acreditamos em Deus quando nos é conveniente."
De acordo com o escritor, a humanidade é causadora das tragédias que a afligem. "Tenho a consciência de que o mundo está errado. E não são apenas as guerras, porque as guerras são a mando de alguns, mas matamos por gosto, por prazer. Se nos perguntarmos quantos delinqüentes existem no mundo - seria um número fabuloso. A verdade é que estamos cegos da razão", disse, e desculpou-se pelo que chamou de "catastrofismo". "A história da humanidade é um caos contínuo."
Saramago também não poupou críticas à Bíblia. "A Bíblia é um desastre. Demorou 2.000 anos para ser escrita e isso foi feito por homens", provocou o escritor. "A Bíblia só tem maus conselhos - assassinatos, incestos..."

SARAMAGO E OBAMA
"Não sei o que ele vai fazer, mas pelo que pude ver e entendo de sua postura, acredito que é possível confiar no que ele pretende", afirmou Saramago sobre Barack Obama durante sabatina do jornal "Folha de S. Paulo" nesta sexta-feira.
"Mas posso apostar que ele tentará mudar."
Em tom de brincadeira, foi além. "Foi a Igreja que inventou Deus. Deus, o Diabo, e até o purgatório, que hoje em dia está um pouco desqualificado", disse.
Saramago se definiu como um "comunista hormonal". "Uma vez me perguntaram se mesmo depois do fim da União Soviética, da queda do Muro de Berlim, eu continuava comunista. Mas as teorias de Marx explicam a destruição de hoje. Na hora eu pensei em responder: 'E depois da Inquisição, você consegue continuar católico?'", questionou, sob aplausos da platéia.
"Da mesma forma em que tenho ar para respirar, tenho um hormônio que me obriga a ser comunista. Pode chamar de fatalidade biológica."

http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2008/11/28/ult5772u1869.jhtm

O IPHONE PODE MATAR A INTERNET

Jonathan Zittrain


A liberdade da rede corre risco.
A culpa é dos novos
controles de empresas como a Apple, diz estudioso


Peter Moon

No livro O Futuro da Internet e Como Evitá-Lo, o americano Jonathan Zittrain, especialista em Direito na Internet, faz um alerta sobre a encruzilhada que a rede mundial de computadores e a indústria de tecnologia têm à frente. O espírito original, aberto à colaboração, que fez da internet o sucesso que é, também é a fonte de seus problemas: avalanche de vírus, programas defeituosos e falhas de segurança. “A internet está em crise”, diz Zittrain, de 39 anos. Novos aparelhos de enorme sucesso como o iPhone contornam esse risco, pois só aceitam programas que passam pelo crivo da Apple. Caso esse controle sobre o que pode ou não ser instalado no iPhone se alastre pela indústria, diz Zittrain, será o fim da inovação – e a internet do futuro será estéril.

QUEM ÉJonathan Zittrain é professor de Direito na Internet na Faculdade de Direito de Harvard O QUE FEZ Foi professor de Governança e Regulamentação na Internet, na Universidade de Oxford O QUE PUBLICOU The Future of the Internet and How to Stop It (2008; inédito no Brasil)

ÉPOCA – O que está errado na internet?
Jonathan Zittrain – Ela foi projetada numa outra época e para um propósito diferente daquele a que serve hoje. A internet era uma experiência de laboratório. Uma razão por que ela tomou conta do mundo é ter sido tão bem projetada, permitindo a participação de qualquer um em qualquer lugar. Ela funcionou otimamente por anos. Mas a popularização da internet e do computador pessoal revela agora seu lado ruim. A internet está em crise. O exemplo mais visível são os vírus de computador. Eles só existem porque o projeto original da rede permite. Precisamos dar um jeito nisso. Se não o fizermos, veremos as pessoas fugir para aparelhos que limitarão muito a inovação na rede, como o iPhone, da Apple, ou o Xbox, o console de games da Microsoft. O iPhone pode matar a internet.

ÉPOCA – Por quê?
Zittrain – A Apple é um ótimo exemplo de todas as fases desse fenômeno. O Apple II (1977) foi o primeiro PC produzido em série, que permitiu às pessoas terem um computador em casa rodando programas feitos por qualquer um. Em 2007, com o lançamento do iPhone, aconteceu o oposto. Ele era um sistema completamente fechado. A Apple controlava tudo o que rodava nele. Então, em 2008, foi a vez do novo iPhone. É um sistema aberto, que aceita programas de terceiros – mas só com a aprovação da Apple. A empresa checa cada parte do programa antes de permitir sua instalação no celular. Esse controle de qualidade fornece à Apple poder demais.

ÉPOCA – A rede aberta incluiu 2 bilhões de pessoas na era digital. Qual seria a conseqüência de um sistema fechado?
Zittrain – As novas tecnologias teriam uma qualidade imperial. Seriam feitas num país e usadas nos outros. Não haveria espaço para a inovação. No momento em que, pela primeira vez, vemos uma parcela considerável da humanidade na internet, é importante permitir que a tecnologia possa ser remodelada por seus usuários, em vez de ter um celular com quatro funções, controlado pela operadora. Os fabricantes de celular deixariam de competir para lançar produtos mais interessantes. Não é o que quero ver. Manter a tecnologia aberta é crucial para evitar esse futuro.

ÉPOCA – A enciclopédia virtual colaborativa Wikipédia consegue dosar o espírito da rede com o controle sobre o mau uso da tecnologia?
Zittrain – Sim, ela não é anárquica. Aceita a participação de todos, mas tem regras e colaboradores que analisam, limpam e cuidam do conteúdo. A Wikipédia mostra que há meios de fazer isso sem recorrer ao controle autoritário. Há lições a aprender com a Wikipédia.

CASTIGO PARA A CRIATIVIDADE


‘O espaço aberto é um castigo para a
criatividade’.
Entrevista com Domenico De Masi


“Um castigo para a criatividade”. Para Domenico De Masi, sociólogo do trabalho, o espaço aberto [open space] é a negação da modernidade. A entrevista foi publicada no jornal
La Repubblica, 21-11-2008. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

No entanto, a idéia original não era ruim: compartilhamento e democracia.

Uma ilusão. O espaço aberto não é outra coisa que a reprodução do esquema do trabalho na fábrica no intelectual. O empregado das idéias obrigado a fornecer produtos, como o operário com os parafusos. Sob o olhar do chefe de obras.

Os ambientes abertos como mecanismos de controle social. O senhor concorda com a tese?

Absolutamente sim. Também de maneira involuntária: os comportamentos do empregado se tornam, sob o olhar julgador dos colegas, mais significativo do mérito profissional. É uma tipologia de organização do trabalho, também do ponto de vista arquitetônica, que premia a presença física em vez dos resultados.

A antítese da volatilidade e mobilidade do trabalho como ele é hoje.

As tecnologias permitem produzir e comunicar de qualquer parte que nos encontremos. O escritório aberto, paradoxalmente, nega a comunicação: os distúrbios, os barulhos, a falta de privacidade, do silêncio e da solidão anulam as supostas vantagens da fluidez do open space. Hoje, 60% da população têm uma atividade intelectual, mas na realidade mais da metade não faz um trabalho criativo, mas simplesmente executivo.

Mudaria a substância se cada um tivesse uma sala para si?


A criatividade precisa de momentos de máxima introversão e outros de máxima comunhão. Temos as idéias quando elas chegam, em uma sala ou também na estrada ou debaixo do chuveiro. A flexibilidade do trabalho deveria significar isto: absoluta liberdade também espacial do empregado e, depois, lugares e ocasiões de coleta das idéias.

(IHU/Unisinos - 28/11/2008)

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

NATAL

" Adoro o Menino abençoado, Deus e homem, a sua divindade, a sua humanidade e todo o bem que há nele, já que a ele toda adoração objetiva e, finalmente, deve ser endereçada. Adoro nele a soberana bondade, a soberana grandeza e todas as demais qualidades incriadas; e, sendo ele homem, adoro também essas mesmas qualidades tal como foram criadas; e como todas as coisas foram feitas por ele, adoro o seu entendimento, e a sua boa vontade adoro, e qualquer outra ação sua; e a ele ofereço toda a minha inteligência, todo o meu poder e todo o meu agir, e, se mais pudesse, mais diria para a sua glória e a sua honra. Adoro o Menino que há de sofrer a paixão, há de ser sepultado e há de ressuscitar no terceiro dia, e com toda a glória dele adoro também a bem-aventurada Virgem sua sacratíssima Mãe."
(Ramon Llull, em : Do nascimento do Menino Jesus, Escritos antiaverroístas, EDIPUCRS, Porto Alegre 2001, p. 64)

Saramago, Rubem e a festa na Terra Manter a calma


Mauro Santayana


De todos os excepcionais textos de Rubem Braga, cuja leveza embalava as coisas sérias, o mais instigante é o que descreve uma grande festa na Terra, para a qual todos os seres humanos haviam sido convidados. Como era de seu hábito e de seu talento, Rubem excitava a imaginação e as reflexões do leitor: seria aquela a primeira ou a última festa na Terra? Era festa admirável, em que todos se divertiam, felizes; tratavam-se com afeto de irmãos e os casais de enamorados não escondiam sua ternura especial.

Não nos damos conta de que fomos convidados para a grande festa da vida, a grande festa na Terra. Qualquer manual de etiqueta registra o que fazer nesses encontros. Moderar na bebida e na comida. Tratar bem os presentes, ser amável ao máximo, ouvir mais do que falar, fugir do pedantismo, cuidar de coisas graves com os interlocutores certos, e das banalidades usuais com os outros.

A visita de Saramago ao Brasil e suas reflexões sobre a seca atualidade conduzem a Rubem, também pelo fato de ele ter sido dos melhores escritores em nossa língua comum. Saramago acerta, quando diz que não há direitos humanos. Não os há: quando são reconhecidos, não são respeitados. Ao dizer que não é pessimista, mas que o mundo ficou péssimo, o autor volta às verdades que, de serem simples, são esquecidas. Ninguém se preocupa em ser bom. "Bondade" escapou do vocabulário, assim como até mesmo a palavra "corrupção" se corrompeu pela banalidade, perdendo seu sentido grave, para designar comportamento assimilável pela tolerância geral. E de vocábulo em vocábulo corroídos, desfaz-se a linguagem em nova babel. Assim, os banqueiros de Wall Street são "ousados" quando roubam, e os empresários, "prudentes", quando demitem em massa. Novo idioma foi criado, a partir da mutilação semântica, a fim de esconder a verdade.

O sistema econômico moderno criou novo tipo de corporativismo, bem diferente daquelas associações profissionais da Idade Média, que zelavam pela preparação dos aprendizes , pela técnica dos artesãos e pela solidariedade para com os necessitados. O novo corporativismo – que serviu de cimento ao fascismo – se destaca pelo egoísmo dos grupos. As pessoas não se aproximam mais pela vizinhança e pela amizade ocasional mas, sim, pelo pobre interesse de sua pequena grei profissional. No mês passado, um homem de 47 anos, pai de família, desempregado e doente, subiu ao último andar de um posto de perícias médicas em São Paulo, ameaçando matar-se, se não recebesse o benefício a que, em seu entender, tinha direito. O fato em si é vulgar, quase rotineiro, perdeu o interesse dos grandes jornais. Mas a Associação Nacional dos Peritos Médicos, em nota divulgada por sua assessoria de imprensa, acusou-o de atrasar o início do atendimento ao público por mais de uma hora. Há algum tempo, esses peritos médicos reivindicavam aumento com o argumento de que haviam economizado bom dinheiro à Previdência, com seus laudos. É certo – e já foram identificadas algumas – que há quadrilhas montadas para fraudar a Previdência, mas um trabalhador, isolado, que reclama, não pode ser visto como criminoso. Todas as corporações – entre elas, a dos jornalistas – aferram-se a seus privilégios, muitos obtidos mediante pressão política. E como todo privilégio traz, como contrapartida, alguma injustiça, o sentimento de solidariedade da espécie se esfaz, sobretudo nos grandes centros urbanos. Há algumas décadas os pobres tinham direito à solidariedade.

Não são poucos os pensadores – e o teólogo Leonardo Boff tem tratado algumas vezes do tema – que nos indicam como a crise atual poderá nos despertar da letargia. Teremos que reconstruir a sociedade dos homens a partir da constatação de que somos todos rigorosamente iguais.

Os chilenos fizeram bem em desdenhar a fanfarronada do general Donayre, comandante-geral do Exército do Peru, que, em festa descontraída, ameaçou matar os chilenos que entrassem no Peru. Entre 1879 e 1883 houve guerra entre o Chile, o Peru e a Bolívia – estimulada por interesses europeus no salitre e no guano do Pacífico – que os chilenos ganharam, depois de ocupar Lima (em 1881). Os peruanos perderam a província de Tarapacá e grande parte do deserto de Atacama e, os bolivianos, a região de Antofagasta. Recentemente, o governo peruano levou a questão ao Tribunal de Haia. Nada pior do que reabrir feridas cicatrizadas, quando o continente busca a integração.

http://ee.jornaldobrasil.com.br/reader/clipatexto.asp?pg=jornaldobrasil_117599/99682 27/11/2008

Vamos discutir diferenças sociais


João Batista de Medeiros
GERONTÓLOGO SOCIAL


Participando de um bom papo com amigos, ouvi um relato interessante, que passo aos leitores: Um jovem e sua esposa, junto de outro casal, compareceram a uma festa na mansão do dono da empresa onde os dois trabalhavam.


Os dois casais cometeram tantas gafes, pagaram tantos micos, que a certa altura do evento, resolveu ficar bem longe do grupo de diretores e dos parentes do milionário aniversariante.


Finquei penalizado, pois foram situações hilárias, mas ao mesmo tempo tristes, mostraram a enorme diferença intelectual e financeira entre os dois casais de humildes servidores e os poderosos da festa.


Lembrei daquela história em que um penetra sofreu vexame em uma festa de ricos.


Contei para os amigos o caso de um cara que vivia sonhando em participar de uma festa de ricos.


Teria acontecido mais ou menos assim:


– O Ponciano, com seus 35 anos, sem nenhum polimento intelectual e poucos recursos financeiros, conseguiu ser convidado, através da compra de um convite adquirido por um bom preço de um dos empregado da casa.


Na noite da festa, chegou à mansão, estacionou o seu Fusca em uma vaga longe dos carrões dos outros convidados. Todo empertigado apresentou-se ao porteiro, para quem entregou o convite, que foi examinado minuciosamente assim como as indumentárias do convidado.


Depois de alguns minutos, chamou um empregado e determinou que o acompanhasse até o salão de convidados, um ambiente decorado com belas obras de arte, e móveis condizentes com a fortuna dos anfitriões.


Mais de uma hora se passou e o Ponciano encontrava-se absolutamente solitário, apesar do local estar repleto de gente.


Até os garçons passavam rápidos por ele, o que impedia de servir-se dos finos canapés conduzidos em bandejas de prata.


Após várias tentativas, finalmente conseguiu apoderar-se de uma generosa dose do que ele chama de Uísqui.


Com o copo na mão, aproximou-se das obras de arte expostas na parede muito iluminada. Admirado e surpreso, imaginando o porquê dos ricos gastarem tanta "grana" comprando obras de difícil entendimento, e de, na opinião dele, muito mau gosto.


Após algum tempo ali, absorto em pensamentos consumistas, uma senhora de meia idade aproximou-se e perguntou:


– É a primeira vez que o senhor comparece a uma festa aqui?


– Sim. Recebi o convite através de um amigo desta família.


– Como o senhor está se sentindo? Está gostando?


– Bem – pigarreou, meio sem jeito – para ser franco com a senhora, depois que fui recebido na porta pelo mordomo, a primeira pessoa que se aproximou de mim foi à senhora...


Como a mulher não continuou o assunto, já aflito tentou conversar:


– Lindos quadros estes! Verdadeiras obras de arte - sentenciou procurando demonstrar erudicidade quanto às artes expostas.


– Concordo plenamente com o senhor – falou baixinho após ingerir um belo gole de Campari.


Desesperado para manter a rica senhora ao seu lado, exterioriza a sua cultura:


– Aliás, nem todos os quadros daqui podem ser classificados como de grande valor artístico. Por exemplo, aquele ali, que retrata uma velha com cara de poucos amigos, e que mais parece uma bruxa da idade média...


– Cidadão! – quase gritando e olhando com fisionomia alterada - aquela senhora é minha mãe quando tinha 60 anos!


Percebendo a gafe, procurou remediar:


– Perdão, senhora. Deixe-me olhar mais de perto – e como se fosse completamente míope, admira o retrato, e com voz fraca balbucia:


– Engraçado! Olhando bem de pertinho percebe-se que é uma pessoa simpática, até bonita!
Quando olhou para trás, procurando a interlocutora, ela havia sumido.


Percebendo o enorme erro que cometera ao tentar participar de uma festa de gente muito rica, onde claramente lhe foi mostrado que não era bem-vindo, pálido de vergonha, moveu-se nos calcanhares e caminhou apressado em direção à porta de saída.


O mordomo, que guardava a porta de entrada e saída, fez de conta que não o havia notado, afasta-se para uma distância suficiente a fim de que o intruso possa sair.


O penetra estava com tanta pressa em fugir do vexame, que só se deu conta de que ainda estava com o copo de uísque na mão, quando tentou abrir a porta do carro.


Tomou o último gole da bebida, jogou o gelo fora, colocou o copo em cima do meio fio da calçada, olhou para o palacete iluminado feéricamente, balançou a cabeça e entrou no carro. Com gestos bruscos, fechou os vidros e gritou a plenos pulmões:


– Ricos egoístas! Vou voltar a estudar, me formar, ganhar muito dinheiro, e farei tudo para provar que não é o dinheiro que torna o possuidor dele uma pessoa que respeita os seres humanos, ricos, pobres, cultos ou ignorantes! Se não ficar rico igual a esses aí, pelo menos uma coisa garanto:

Nunca mais vou a festas dos ricos.


Acelerou tanto que o carro saiu cantando pneus.


Do alto dos meus 75 anos de idade, bem vividos, diga-se de passagem, só vou a festas para as quais sou convidado e que eu esteja à altura dos demais convidados.


E você, leitor, faz o mesmo?

http://ee.jornaldobrasil.com.br/reader/clipatexto.asp?pg=jornaldobrasil_117599/99692 27/11/2008

A cultura da dívida


Rose Marie Muraro
Escritora


Para a maioria dos economistas e o grande público em geral, esta crise imobiliária a que chamo “a mãe de todas as crises” começa em 2007, com o estouro da bolha imobiliária, e tem seu auge em setembro e outubro de 2008. Mas não é assim. Na verdade, o seu embrião se implanta em 1971, quando o presidente Nixon cortou o dólar do padrão ouro e substituiu-o pelo dólar como moeda de referência mundial. A partir daí as moedas (qualquer moeda) passam a não ter lastro nenhum a não ser a confiança daqueles que as usam. Pode-se imprimir, em qualquer país, tanta moeda quanto se queira.
Só que, nos países cujas moedas não são aceitas para negócios internacionais, a impressão desregrada de moeda dá origem à inflação, que pode se tornar muito aguda, como foi o ocaso da Argentina e Brasil nos anos 1990. A única moeda cuja impressão pode não causar inflação é o dólar, não só por que é moeda de referência, mas também porque os EUA são a maior economia do mundo. São eles os maiores importadores mundiais. Assim, quando o governo americano não fecha as suas contas mensais, os países exportadores, principalmente os do leste e sudeste asiático, correm para comprar bônus do Tesouro americano, para não perder mercado.
É assim que, em algumas décadas, o mundo é inundado de dólares. No começo dos anos 1980, quando o PIB mundial era de US$ 10 trilhões, havia rodando pelo mundo pouco mais do que esse montante em dólares. Hoje, em 2008, segundo a consultoria Mckinsey, o PIB mundial passa para US$ 48 trilhões e a quantidade de dólares rodando pelo mundo é de mais de US$ 167 trilhões.
Isso mudou a natureza do consumo mundial, dando uma sensação de riqueza ilusória, principalmente no mundo mais rico (EUA, União Européia e Japão). Inicia- se então, uma “cultura da dívida”. Desde os anos 1990 vi amigos americanos usarem até 12 cartões de crédito ao mesmo tempo. Outro amigo que ganhava cerca de US$ 2 mil mensais comprou um carrão (desses que usam muito combustível) por US$ 40 mil, pagando suaves prestações a perder de vista. Por seu lado, outro amigo meu que pagava tudo à vista não teve direito a um empréstimo de US$ 50 mil para completar o montante com o qual pagaria a casa onde mora hoje, porque não comprava o suficiente a prazo, isto é, porque não tinha dívida. Assim, a partir dos anos 1970 — 1980, inicia-se uma era de consumo compulsivo. Desde o final dos anos 1990, a poupança interna americana, passou a ser negativa: – 2%. Aquele consumo era feito com poupança externa. Isso vai se agravando no final do século 20 até o estouro da “bolha tecnológica”.
Um parêntese: nesses países eram oferecidos empréstimos cada vez mais vultosos a pessoas com cada vez menos garantias. Esse capital foi também se espalhando pelos países emergentes. É certo que, em parte, ele contribuiu para o desenvolvimento desses países, especialmente dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), que cresceram muito. O consumo de suas classes mais abastadas também cresceu exponencialmente. Instalava-se no mundo “a cultura da dívida”. Nos EUA, as pessoas, não tendo mais como pagar as dívidas, passaram a hipotecar suas casas no início do século 21. E as casas começaram a subir de preço. Uma casa que valia, por exemplo, US$ 200 mil passou a valer US$ 400 mil. Seu proprietário podia refinanciar a dívida de US$ 200 mil para US$ 400 mil. Pagava o que devia e ainda tinha US$ 200 mil para consumir mais.
Foi empurrada goela abaixo dos habitantes das periferias a possibilidade de comprarem a casa dos sonhos a prestações baixas e juros baixíssimos. Esses juros foram aumentando e eles já não podiam mais pagá-los. Então devolviam as casas aos bancos. Essas casas eram cerca de 10 milhões (segundo Nouriel Roubini). Assim começou a bolha que vemos hoje e que se achava ser a bolha dos subprimes, mas é o estouro de uma bolha muito mais antiga e profunda que é a bolha da “cultura da dívida”, que começou a estender-se pelo mundo inteiro. Só os consumidores americanos estão devendo cerca de US$ 14 trilhões; o governo, US$ 11 trilhões; os bancos, não se sabe. É o fim do sonho americano? Provavelmente, e achamos que uma nova era está se abrindo para a humanidade, uma era de menos desperdício, menos consumo e mais respeito ao meio ambiente. O capitalismo não pode viver nem com nem sem o consumo. E aí?

http://www.correiobraziliense.com.br/impresso/ 27/11/2008

Voluntariado, novo rosto da Evangelização?

Quase dez e meia da manhã. Tudo estava marcado para iniciar as dez horas. Mas horário em países abaixo do Equador, onde não há pecado, não tem a rigidez dos países acima... até gosto! Porque os europeizados tupiniquins ficam inquietos. (Perdoa a digressão).
A capela do convento São Lourenço de Brindise, sem arte, criada com janelas de basculante e ainda viva, recebe as formandas (só um varão havia na turma) da Escola de Informática para a entrega do diploma de formatura. A cerimônia inicia com Missa que as formandas organizaram. Um organista deixa as notas musicais dançarem perdidas no ar quente da manhã de temperatura alta e na tagarelice festiva das já diplomadas. Poucas ouviam. Era um momento mágico. Creio que muitas nunca haviam recebido um diploma.
As pessoas, após a missa celebrada pelo Frei Maximino, eram chamadas à frente do altar e recebiam o diploma de formatura. A voluntária Milena, que ministrou as aulas de informática, distribuía os certificados. Via-se a alegria nos rostos marcados pelo tempo e um certo êxtase no ar quando o diploma era recebido.
A pose para a fotografia enfeitiçava o clima com sinais de Eros no ambiente religioso que envolvia o ato.
Esses momentos são envolventes e mostram que estamos (nós frades) no caminho certo quando conseguimos trabalhar par-a-par com os voluntários que buscam nos pequenos e empobrecidos sinais do Reino. Depois o almoço. A magia disso tudo é bonita e creio que nos faz mais humanos, e quem sabe, mais religiosos! O caminho está aberto e aponta para o voluntariado. Seria o novo nome da evangelização?

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Epitáfio para o Séc. XX

Affonso Romano de Sant'Anna

1. Aqui jaz um século
onde houve duas ou três guerras mundiais e
milhares de outras pequenas e
igualmente bestiais.


2. Aqui jaz um século onde se acreditou
que estar à esquerda
ou à direita eram questões centrais.


3. Aqui jaz um século
que quase se esvaiu
na nuvem atômica.
Salvaram-no o acaso
e os pacifistas com sua homeopática atitude
— nux-vômica.


4. Aqui jaz o século
que um muro dividiu.
Um século de concreto armado,
canceroso, drogado, empestado,
que enfim sobreviveu
às bactérias que pariu.

5. Aqui jaz um século
que se abismou com as estrelas nas telas
e que o suicídio de supernovas contemplou.
Um século filmado
que o vento levou.


6.Aqui jaz um século
semiótico e despótico,
que se pensou dialético
e foi patético e aidético.
um século que decretou
a morte de Deus,
a morte da história,
a morte do homem,
em que se pisou na Lua
e se morreu de fome.


7.Aqui jaz um século
que opondo classe a classe
quase se desclassificou.
Século cheio de anátemas
e antenas, sibérias e gestapos e ideológicas safenas;
século tecnicolor que tudo transplantou
e o branco, do negro,
a custo aproximou.


8. Aqui jaz um século
que se deitou no divã.
Século narciso & esquizo,
que não pôde computar
seus neologismos.
Século vanguardista,
marxista, guerrilheiro,
terrorista, freudiano,
proustiano, joyciano,
borges-kafkiano.
Século de utopias e hippies
que caberiam num chip.

9. Aqui jaz um século
que se chamou moderno
e olhando presunçoso
o passsado e o futuro
julgou-se eterno; s
éculo que de si
fez tanto alarde
e, no entanto,
— já vai tarde.
(...)

In: SANT'ANNA, Affonso Romano de. A poesia possível. Rio de Janeiro: Rocco, 1987. Poema integrante da série Aprendizagem de História

PARA ENTENDER CARL SCHMIT (1)

Roberto Romano

Quando doutrinas jurídicas mostram elos inequívocos com práticas genocidas, obrigação ética é examinar os textos, sem o direito de elogiar seus pressupostos e conclusões. O anti-semitismo de Carl Schmitt requer tal atitude deontológica. Médicos, juízes, professores universitários, advogados, pesquisadores das ciências sociais, se profissionais competentes, conhecem a eugenia e a política assassina do nazismo, defendidas por militantes ignaros ou intelectuais. A culpa dos últimos é mais grave.
No caso de C. Schmitt, ninguém pode elogiar suas doutrinas e calar o incitamento ao genocídio nelas explícito. Bom número de universitários, jornalistas e partidos de esquerda aplaudem, em nome da luta contra a corrupção, pronunciamentos favoráveis ao jurista mais notório do nazismo. Para citar Walter Benjamin, se não mantivermos a memória acesa, “nem os mortos estão seguros”. Quem sofre na carne o preconceito racial não tem o direito de ignorar o que significa Schmitt na história do Direito e das ideologias. E. Bloch, autor do livro O Princípio Esperança o situa entre “as prostitutas do absolutismo que se tornou completamente mortífero, do absolutismo nacional-socialista.”(Droit Naturel et Dignité Humaine, Paris, Payot, 1976, p. 57).
Schmitt uniu as formas legais nazistas e as ditaduras que a SA (destruída por Hitler e trocada pela Gestapo) impuseram à Alemanha. Para conhecer o pensamento de Schmitt, examinemos seus escritos, mesmo que tal mister exija a máscara contra gases fétidos.
Nos últimos vinte anos ele se tornou o patrono da esquerda e dos que renovam o fascismo. Sua leitura raramente é feita em primeira mão, os axiomas que ele inventou chegam aos catecúmenos por propagandistas como G. Agambem e outros. Ignorando sua atividade efetiva, não o lendo diretamente, muitos transmitem ao coletivo o seu anti-semitismo totalitário.
Yves Ch. Zarka, autor de pesquisas essenciais sobre Hobbes (cujos textos são usados por Schmitt para combater a democracia) e a razão de Estado, desmascara ao mesmo tempo Schmitt e a esquerda que hoje o assume. Cito o juízo de Zarka, escritor a ser usado por mim até o final das presentes análises. “Existia uma corrente pró schmittiana de extrema direita. O que não é surpresa. Schmitt é reivindicado pela ala a que ele pertenceu. Mas é nova a adesão às teses de Schmitt entre intelectuais da esquerda ou extrema esquerda. Era impossível em 1960 ou 1970 que tais setores se referissem a um pensador ligado ao nazismo, mas hoje ocorre o contrário. Como entender a sedução do pensamento de Schmitt entre os intelectuais de esquerda? A razão principal, creio, é a crise profunda do pensamento de esquerda pós marxista. Como o pensamento marxista caiu na indigência, perdeu todo crédito, é incapaz de suscitar a menor adesão intelectual, bom número de teses schmittianas surgem como tábua de salvação. É como se Schmitt fornecesse a versão renovada, revigorada, expressa em outros termos, de teses e temas antes mantidas no pensamento e no combate marxista. Assim ocorre na crítica ao liberalismo, parlamentarismo, representação política, formalidade dos direitos humanos, no tema central da luta ou da guerra na história, na questão do inimigo (de classe, estrangeiro) etc. Em tais pontos. Schmitt parece suscetível de tomar o bastão de Marx (...) para defender as mesmas posições ou combater os mesmos adversários (...) O mesmo jurista, hoje guru de uma parte dos intelectuais, conduziu décadas antes os que o seguiam, repetindo o grande jurista alemão E. Kaufmann, “para a lama do niilismo e de sua variante nacional-socialista”. (Un détail nazi dans la pensée de Carl Schmitt, Paris, PUF, 2005, pp. 92-93).

Roberto Romano é professor de Ética e Filosofia na Unicamp - Artigo publicado em 26/11/2008 no jornal Correio Popular, Campinas, SP.
http://www.cpopular.com.br/mostra_noticia.asp?noticia=1608330&area=2190&authent=28025DDCEFFBB21090654ED7698A82

CASA BRANCA, PRESIDENTE NEGRO.


Frei Betto

A partir do próximo 20 de janeiro, Barack Obama, filho de pai africano e mãe usamericana, vai ocupar, ao menos por quatro anos, a cadeira presidencial da Casa Branca.

Numa nação profundamente marcada pelo racismo como os EUA, este sonho se tornou realidade graças à corajosa atitude, em 1955, de Rosa Parks. Costureira, militante do Movimento Negro, aos 42 anos, no dia 1º. de dezembro de 1955, Rosa entrou no ônibus em Montgomery, Alabama, e ocupou o único assento vago.

Pouco depois, ingressou um homem branco. Exigiu que ela se levantasse para ele se acomodar. Todos no Alabama conheciam a lei: no transporte público, brancos tinham precedência sobre negros. Rosa fez como Antígona e, entre a lei e a justiça, escolheu esta última. Manteve-se sentada.

Presa, foi liberada após pagar multa. Ficou desempregada e sofreu ameaças de morte, que a obrigaram a se mudar para Detroit. Entrevistada, afirmou: "A verdadeira razão de eu não ter cedido meu banco no ônibus foi porque senti que tinha o direito de ser tratada como qualquer outro passageiro".

Logo, sua atitude solitária transformou-se em solidária. Um jovem pastor da Igreja Batista, Martin Luther King Jr., incentivou seus fiéis negros a seguir-lhe o exemplo. No Alabama, a população negra boicotou o transporte público por mais de um ano, até derrubar a lei racista. Rosa havia acendido o estopim da causa usamericana pelos direitos civis e contra o apartheid. Por toda parte, os negros abraçavam a desobediência civil e repetiam: I’m black, I’m proud (Sou negro e me orgulho).

Rosa não viveu o suficiente para participar da posse de Obama. Morreu aos 92 anos. Em sua homenagem, a empresa de computadores Apple gravou na logomarca de seu site Think different (Pense diferente) e, abaixo, "Rosa Parks (1913-2005)".

Há algo de novo no Continente americano: as elites econômicas já não coincidem com as políticas. Lula no Brasil, Morales na Bolívia, Chávez na Venezuela, Correa no Equador, Lugo no Paraguai e, agora, Obama nos EUA, destoam completamente do DNA das tradicionais oligarquias políticas do continente. Sinal de que a democracia virtual está seriamente ameaçada pela democracia real, multicultural, sobretudo agora que a crise do capitalismo desmoraliza o dogma da auto-regulação do mercado e apela à intervenção do Estado.

Obama é tudo aquilo que merece o desprezo dos WASP, sigla usamericana que significa "Branco, Anglo-Saxão e Protestante", marca da parcela racista da elite dos EUA.

Já na década de 80, as coisas pareciam fora de controle quando Jesse Jackson, também negro, concorreu à presidência, em 1984 e 1988. Aliás, a linguagem, como diria Freud, revela significados além de sua etimologia. Muitos se referem a Obama como "afro-americano". Ninguém jamais chamou Bush de "euro-americano", ou qualquer um de nós, brancos, descendentes de espanhóis e portugueses que colonizaram a América Latina, de "ibero-americano".

Por falar em palavras, uma que precisa perder espaço nos dicionários e em nosso vocabulário é raça, quando aplicada a seres humanos. Segundo a biologia, ela não existe. Há tão-somente a espécie humana.

Nossas individualidades e identidades não são construídas a partir da coloração epidérmica, e sim da multidimensionalidade de nossa interação social. Portanto, não faz sentido falar em Estatuto da Igualdade Racial ou em Secretaria Especial de Política de Promoção da Igualdade Racial.

Precisamos construir uma sociedade e uma cultura desracializadas. Como afirma o cientista Sérgio Danilo Pena, do Projeto Genoma Humano, "um pensamento reconfortante é que, certamente, a humanidade do futuro não acreditará em raças mais do que acreditamos hoje em bruxaria. E o racismo será relatado no futuro como mais uma abominação histórica passageira, assim como percebemos hoje o disparate que foi a perseguição às bruxas".

Obama pode se revelar uma caixa de surpresas. Mas é gratificante vê-lo, e a Lewis Hamilton, campeão da Fórmula 1, se destacar num universo até então monopolizado pelos brancos.

Frei Betto é escritor, autor de "A arte de semear estrelas" (Rocco), entre outros livros.

http://www.correiocidadania.com.br/content/view/2615/55/ 24/11/2008

SEM FILOSOFIA... NEM PENSAR!


*Gabriel Perissé

Filosofar é pensar. Não um pensar qualquer. Não é um pensar solto no ar, perdido no mar, um ir-e-vir por aí. Não é jogar pôquer, apostar para ganhar tudo ou alguma coisa perder. Ou tudo perder e chorar sobre o pensamento derramado.

Filosofia é pensar dia a dia no dia-a-dia. Pensar é desfiar o fio da meada. Penso, logo desconfio. Pensar a prece, a pressa, o peso, o passo, a pizza, o poço, o prato, a prata, o porquê do epitáfio, as razões do rififi.

Filósofo é aquele que pára para pensar. Pára para não parar de pensar. Pensa para comer o pão com o suor de sua mente. Pensa, logo alonga, longínquo pensamento que o deixa tão perto de tudo. Filósofo só pára de pensar para pensar em que está pensando.

Filosofal viver. Filosofal andar. Filosofal tropeçar. Filosofal cair, e encontrar na queda outros motivos para mais filosofar. Filosofal sentar sobre a pedra filosofal. Idéia tanto bate sobre a pedra, tanto bate até que o pensamento perdura.

Filosofante caminhar, o homem sobre o elefante, o elefante sobre a terra, a terra sobre o vento, o vento filosofante venta para onde quer. O filosofante gigante sobre os ombros de um anão também verá mais longe.

Filosofema retira algemas, descobre o filósofo da gema, faz nascer antenas, penetrar esquemas, abordar todos os temas, reler o poema, inspirar-se no cinema, valorizar o pequeno, o fenômeno, o dilema, remar contra ou a favor da maré.

Filosofice é sempre um risco. Ninguém está livre de pensar contra o pensamento. Ninguém está livre de se aprisionar uma vez mais. Ninguém está livre de pensar que pensa, e despencar do altar que ergueu para si mesmo, confundindo filosofia com empáfia.

Filosofismo é outro risco. Belo risco, afinal, porque somos todos capazes de filosofar. O filosofismo é a filosofia que virou jogada, pretexto, mania, suborno, insulto. O filosofista finge que pensa, e por isso parece pensar melhor que o próprio pensador.

Filosófico texto, contanto que as palavras abram nossa mente e nos façam mentar o mundo. Que o texto filosófico não seja apenas manobra, cobra preparando o bote, veneno que paralisa o leitor e o devora pouco a pouco.

Filosofar, enfim, é começar a pensar sem fim. É pensar quando não se pensa em nada, pensando em tudo. Pensar como sempre. Como nunca.

Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor.

Website: http://www.perisse.com.br/ 21/11/2008

terça-feira, 25 de novembro de 2008

O Homem Invisível

O inglês radicado em Nova York
mantém-se ignorado pelas hostes de todos os corredores


AQUI ENTRE NÓS, aí abaixo vai algo a ser lido com atenção. Não passe adiante. Vamos tentar fazer com que tudo continue invisível:

"Hey, consegue me ouvir agora?
Enquanto eu desapareço
E perco meu chão
Você talvez queira saber
O que eu teria a dizer Se eu ainda estivesse por aqui
Agora sou feito de fumaça
Você vê através de mim
É a piada mais estranha
Não se pode tocar o Homem Invisível
Não se pode deter o Homem Invisível
Por que as luzes se apagaram?
Ou se voltaram para um novo alguém
Bem, deixe-os aprender
Eu costumava ser dono desta cidade
Agora estou te observando
Agora é minha vez
Agora sou feito de névoa
Você saberá
Quando for beijada
Não se pode tocar o Homem Invisível
Não se pode deter o Homem Invisível
Agora estou quase livre
Desaparecendo
Não chore por mim
Não se pode tocar o Homem Invisível
Não se pode deter o Homem Invisível"

A letra da faixa de abertura de Rain, recém-lançado disco de Joe Jackson, poderia servir de metáfora para a biografia do próprio. Aos 54 anos, 30 de carreira, o inglês radicado em Nova York mantém-se ignorado pelas hostes de todos os corredores, do jazz, do pop e da música popular. É mantido no limbo tanto pela indústria (o álbum lançado no Brasil saiu com miseráveis mil cópias) quanto pelo desprezo cultural público pelo novo. Na sexta-feira, pus o CD para rodar no desktop da redação. Ao longe, uma repórter me pergunta: "O que é isso que está tocando?". Orgulhoso, suspirei o nome do compositor inglês, com outra pergunta: "Gostou?". E ela: "Não, muito ruim". Cinco minutos depois, pus outra canção. Aumentei o volume e novamente acorri à repórter: "E essa? Você gosta?". Ela: "Ah, essa é ótima". Era também de Joe Jackson: Steppin' out, tocada à exaustão nas rádios nos anos 80 e até hoje. A percepção musical da repórter não era uma percepção. Era o avesso ao novo. Se isso acontece numa redação de jornal, numa passarela cultural, imagine o desprezo lá fora? A canção que a repórter classifica de "muito ruim" é um crossover de jazz, com pegada de piano erudito e fusion rítmico patinando num grudento refrão pop. Ou seja, de difícil classificação. Um dos artistas mais inquietos do mundo, Joe Jackson tem carreira profícua. De formação erudita, o maestro chafurdou na onda punk no fim dos anos 70, deixando atônita sua própria família. A partir daí, produziu discos que foram parar em estantes diversas ­ e talvez por isso não tenha encontrado um público. Do reggae (Beat crazy, de 1980) ao pop (Night and day, de 1982), passando pelo jazz (Body and soul, de 1984) e pelo erudito (Heaven & hell, de 1997, e Symphony nº 1, de 1999, ambos pela Sony Classical), criou álbuns memoráveis, sofisticadíssimos, derramados em construções harmônicas intrincadas. Em trio, com big band, com orquestra, quinteto ou mesmo solo, Joe Jackson seria um artista perfeito para eventos como o Tim Festival. Ele, Jamie Cullum, John Mayer... todos ignorados. O pecado é o mesmo: fazer uma música considerada "difícil". Ou ruim para alguns.
( Coluna de Mario Marques no JB de 25/11/2008)

EU e o AMYR KLINK


RUBEM ALVES

Fiquei alegre porque ele, sem saber,
entrou em um livrinho que escrevi
cujo objetivo era fazer as crianças
pensarem

HOJE ESTOU especialmente contente. Ontem fiquei conhecendo o Amyr Klink, cuja coragem de navegador provoca a minha admiração. Mas não foi isso que me alegrou. Fiquei alegre porque ele, sem saber, entrou em um livrinho que escrevi cujo objetivo era fazer as crianças pensarem. A idéia do livrinho estava me coçando a cabeça fazia alguns anos. Foi assim que aconteceu.Perguntei-me: Por que é que as crianças têm dificuldade em aprender as coisas que lhes são ensinadas nas escolas, seguindo os programas oficiais? Brunno Bettelheim, já velho, deu a resposta: "Na escola, os professores tentavam me ensinar as coisas que eles queriam ensinar, do jeito como eles queriam ensinar, mas que eu não queria aprender". Para aprender há de querer aprender.
Aristóteles inicia o seu "Metafísica" afirmando: "Todos os homens têm naturalmente o desejo de aprender". Ele estava errado. Vou corrigi-lo: "Todos os homens, ENQUANTO crianças, têm naturalmente o desejo de aprender..."
As crianças são naturalmente curiosas. Querem aprender. Então, por que não aprendem? A Maria Alice, psicopedagoga por vocação, me contou algo que uma menininha lhe disse: "O mundo é tão interessante. Há tanta coisa que eu gostaria de aprender. Mas não tenho tempo. Tenho muitas lições de casa para fazer..."O que é que as crianças querem aprender? Ou, mais precisamente, o que é que o corpo deseja aprender? Mas, antes dessa pergunta, vem uma outra: "Por que é que o corpo deseja aprender?" Ele deseja aprender para se virar no mundo. Ele quer conhecer coisas que fazem o seu mundo e afetam a sua vida.
Um indiozinho não teria o menor interesse em aprender a fazer iglus, mas tem o maior interesse em aprender o uso do arco e da flecha.
O programa de aprendizagem que desafia o corpo é o mundo que o circunda, que é o mundo em que ele vive, que é o mundo que lhe apresenta os desafios práticos da vida que ele está vivendo no presente.
Para entender isso, basta cortar uma cebola ao meio: ela é formada por uma série de anéis concêntricos. Bem no centro está o corpo. O seu primeiro desafio é o primeiro anel. O último anel não lhe provoca o menor interesse porque ele está muito longe da sua pele. Ele só se interessará pelo último anel quando chegar ao penúltimo.
Aí eu me perguntei: "Qual é o primeiro entorno da criança?"
Preste atenção nessa palavra "entorno". Ela significa aquilo que está "em torno", o espaço que pode nos dar vida ou matar. O primeiro entorno da criança é a sua casa. Pensei então: "Não seria possível fazer um programa que tomasse a casa como seu objeto? Começar a conhecer o mundo a partir da casa!
É aqui que entra o Amyr Klink. Questionado por um repórter sobre a escola ideal para os seus filhos ele respondeu: "A escola que eu desejaria para os meus filhos é uma escola que há nas Ilhas Faroë, lugar onde viveram os vikings. Lá as crianças aprendem tudo o que devem aprender construindo uma casa..."
Escrevi então o livrinho "Vamos construir uma casa?".Lá, as crianças vão lidar com as ciências que entram na construção de uma casa, a astronomia, a geometria, a física das ferramentas, a física dos materiais, o fogo, a química da cozinha, a água, o lixo e até mesmo o cocô! Quem diria que o cocô pode ser material pedagógico. Sobre isso eu escreverei depois.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2511200814.htm

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

CYBER BULLYING

O bullying - alunos tratando mal a outros alunos - nas escolas japonesas, assim como em outros países, tem passado para o mundo hi-tech nos últimos anos. Cerca de 10% dos alunos de segundo grau disseram que foram assediados por email, sites ou blogs em uma pesquisa recente feita pelo Conselho de Educação da Prefeitura de Hyogo.

O cyber bullying é uma tendência global, mas o anonimato que oferece aos perpetradores pode ter significado adicional no Japão, onde a norma cultural dispõe que confrontos sejam evitados, disse Shaheen Shariff, pesquisador que comanda o International Project on Cyber Bullying, na Universidade McGill, do Canadá. "Os jovens são controlados demais? Sofrem pressão demais pelo sucesso acadêmico? Dispõem de um caminho para expressar seus sentimentos, esses tabus?", questionou Shariff.

A maioria do cyber bullying no Japão, onde 96% dos alunos de segundo grau têm telefone celular, é feito através de aparelhos com conexão à Internet. Métodos comuns incluem enviar emails com fotos da genitália da vítima para colegas e publicar insultos em sites da escola.

Especialistas dizem que o bullying moderno é muito mais difícil para pais e professores policiarem do que o abuso físico, por causa do anonimato no meio virtual e da falta de conhecimento técnico. "Escolas com freqüência não têm professores com conhecimento em Internet, e pais não conseguem controlar o que acontece no mundo virtual", disse Yasukawa do Conselho Nacional de Conselho da Web. "Ninguém sabe o que está acontecendo."
(Exceto da página Tecnologia do Terra: