quarta-feira, 30 de abril de 2008

MATURANA e XIMENA - Pensamento sistêmico

Humberto Maturana propõe o fim dos líderes e o resgate dos relacionamentos humanos nas empresas

Por Fátima Cardoso, para o Instituto Ethos

O chileno Humberto Maturana é médico e biólogo de formação. Sua compreensão da biologia humana levou a teorias que originaram o pensamento sistêmico, um dos fundamentos da moderna gestão empresarial. Junto com Ximena Dávila, fundou e dirige no Chile o Instituto Matriztico, no qual trabalham com organizações humanas - sejam famílias ou empresas - a partir do que chamam de Matriz Biológica da Existência Humana. Nessa matriz, entrelaçam-se a Biologia do Conhecer e a Biologia do Amar. Humberto Maturana e Ximena Dávila estiveram recentemente no Brasil participando de um seminário promovido pela Fundação Nacional de Qualidade. Nesta entrevista, em que fizeram questão de falar juntos por não admitir hierarquia entre a dupla, explicam suas propostas de resgate do ser humano, da sua capacidade de amar e de se relacionar, e de como isso refletiria de maneira positiva nas empresas. Além disso, vêem o nascimento de uma nova era em que os líderes serão dispensáveis.
Instituto Ethos: O que é o pensamento sistêmico e como ele se aplica na gestão das empresas?
Ximena: Primeiro, faço uma pergunta a você: o que você entende por responsabilidade social empresarial?
IE: O Instituto Ethos é um pólo de organização de conhecimento, troca de experiências e desenvolvimento de ferramentas que auxiliam as empresas a analisar suas práticas de gestão e aprofundar seus compromissos com a responsabilidade social empresarial. Para o Instituto Ethos, a RSE é a forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais.
Ximena: No que você me disse, há o pensamento sistêmico-sistêmico. Não é uma empresa flutuando no ar, é uma empresa em um espaço que a faz possível, que a faz sustentável, que lhe dá energia - o que tem a ver com produtividade -, que faça sentido às pessoas. Isso vai fazer com que a empresa se mantenha assim. Porque se eu for vender trajes de banho na Antártida, vou me dar mal. Se tenho uma empresa produtiva, se vendo algo, esse algo é um serviço à comunidade. Mas nós não falamos em "empresas privadas". Dizemos que todas as empresas são "públicas", porque têm de fazer sentido ao espaço social à que pertencem. Então, quando falamos de "empresas privadas", falamos de algo que está fora do contexto da comunidade à qual pertence. E toda empresa pertence a uma comunidade, a comunidade é o que a faz possível. Você pergunta sobre o sistêmico. É o mesmo fundamento do que você nos disse, o olhar que você colocou foi o olhar sistêmico: são as empresas, as pessoas, o entorno, e a ecologia, ou seja, a biosfera. Isso implica ter consciência de um fluir sistêmico-sistêmico, que tem a ver com a dinâmica, com o acoplamento entre pessoas-empresa, empresa-comunidade, comunidade-biosfera.
IE: Vocês dizem que o pensamento sistêmico não é uma teoria. Por quê?
Ximena: O sistêmico não é um pensamento, uma teoria, é um modo de vida. Porque somos constitutivamente sistêmicos-sistêmicos. O que acontece é que nascemos como seres amorosos. Quando nascemos, como bebês, vimos com todas as anteninhas para viver acoplados em coerência com o mundo natural. Mas vivemos em uma cultura que nos encaixota, que nos coloca na "adolescência", na "hiperatividade", na "ambição", no "sucesso", que nos categoriza. Tudo o que significa modo de vida começa então a desvanecer, a desaparecer. O que estamos dizendo não é convidar a um "pensamento sistêmico-sistêmico" como uma novidade, mas talvez recuperar em nós o que é constitutivo do ser humano. É que somos seres sistêmicos. Por exemplo, você fala da sustentabilidade, e a sustentabilidade, para que permaneça no tempo, implica que haja esta colaboração, o estar bem, o estar conversando.
Maturana: Queria propor um exemplo absolutamente cotidiano sobre a dinâmica sistêmica humana. Imagine que estamos na sala de uma casa com a mãe, o pai, os filhos, uma empregada, um conjunto de pessoas. E há um aquário. Um belo dia, o peixe desaparece. O que se transforma? Se transforma tudo. As crianças começam a perguntar onde está o peixe, e se antes tinham de buscar comida para ele, agora já não precisam mais, já não têm peixe. E a casa está diferente, porque o aquário não está mais lá. Tiramos uma coisa que parece tão simples, o peixe do aquário, e se transforma toda a casa. Até onde isso chega? Até onde estão interconectadas essas pessoas no viver social. Essa é uma situação sistêmica. É isso que queremos dizer quando falamos que não é um pensamento, não é uma teoria, é um modo de vida, uma dinâmica relacional.
IE: E como isso se reflete nas empresas?
Ximena: Esse modo de nos relacionarmos faz com que uma organização crie bons produtos, faz com que as pessoas se mantenham mais tempo lá. Portanto, a empresa se sustenta mais no tempo. O que acontece com muitas empresas? Elas se transformam em universidade para as novas pessoas que chegam, que ficam um tempo ali e logo buscam outro lugar, porque esse lugar já não lhes proporciona o que elas desejam em crescimento, em motivação, em capacitação, o que for. E por que não ficam? Muitas vezes não ficam porque não têm o sentido de pertencer.
IE: Maturana, você diz que as empresas são comunidades humanas, espaço de colaboração e co-inspiração. O que significa isso? O que significam esses conceitos?
Maturana: Há várias maneiras de relacionar-se entre as pessoas. Algumas são de autoridade. Sou o chefe, os que me são subordinados me obedecem. Os subordinados estão subordinados aos desejos, às ordens, às aspirações dos chefes. O chefe diz "eu quero tal coisa", e isso é uma ordem. E o subordinado, sem questionar, faz. Essa é uma forma.
A outra forma é que várias pessoas se encontram em um lugar e se movem com independência umas das outras, o que um faz não afeta os outros. E outras formas são aquelas nas quais diferentes pessoas interagem entre si, não em uma relação de autoridade e subordinação, não em uma relação de completa separação, mas fazendo coisas juntos. Este fazer coisas juntos pode conservar-se no prazer de fazê-las juntos ou derivar à subordinação ou à dispersão.
Quando se conserva o prazer de fazer as coisas junto, se conversa. O que um diz não é uma exigência para os outros. É um convite, uma reflexão para gerar um fazer conjunto. Não se vive como isso uma ordem nem como indiferença, se vive como participação, um fazer de todos eles, no qual o que cada um faz é coerente com o que fazem os outros desde a autonomia, por meio da compreensão do que se está fazendo junto. Isso é o que queremos dizer quando falamos de colaboração.
Esse espaço acontece em uma conversação, em uma co-inspiração.
Por exemplo, aqui estamos juntos conversando, como resultado de uma co-inspiração. Em algum momento se sugere a necessidade de uma reunião, e isso se converge no fato de que estamos juntos e nos escutamos. Não há uma relação de autoridade, não estamos dispersos, mas estamos fazendo algo juntos que é uma entrevista, uma conversação, e tem um caráter que vai depender da natureza do que se faz. Mas, que está associado com o momento de estar aqui, de querer estar aqui, de fazer coisas que vão surgindo desta interação que não é de autoridade, e que não é de dispersão.
IE: Vocês fazem uma certa crítica à idéia da liderança, em oposição à idéia da gerência co-inspirativa, pois a liderança seria baseada em obediência a uma autoridade. Mas, tanto nas empresas como nas escolas de gestão, fala-se muito sobre a necessidade da formação de líderes. Como vocês vêem essa necessidade da formação de líderes? E como essa idéia da gerência co-inspirativa é recebida pelas empresas quando vocês a apresentam?
Ximena: As empresas que nos escutam são as empresas responsáveis, sérias e audazes. E a palavra é audaz, pois estamos convidando-as a uma mudança de era, passar da era da pós-modernidade à era da pós-pós-modernidade. A era da pós-modernidade é a era da denúncia, de dizer estamos mal, algo tem de mudar, temos as mudanças climáticas, estão morrendo espécies. Estamos como o discurso, mas estamos parados no mesmo lugar. Passar à era da pós-pós-modernidade é passar à era da ação, à possibilidade de que surja o Homo Sapiens-Amans eticus, cuja ética central é seu viver e conviver. Para esta mudança de era, estamos propondo o fim da era da liderança para entrar na era da colaboração e da co-inspiração. Quando falamos de liderança, estamos dizendo que há pessoas que vão guiar outros de alguma maneira. Acontece que no momento em que alguém guia, tudo nasce em sua mente. Mas, a palavra líder perdeu o sentido no mundo. Não é o líder, é o gerente a pessoa que tem mais responsabilidade, que co-inspira, que colabora. Você é gerente em uma empresa, e por ser gerente não é líder. Mas o que você faz na gerência co-inspirativa é convidar a inspirar-nos juntos, a colaborar em um projeto conjunto. Se eu sou o gerente co-inspirativo, para mim as pessoas são igualmente inteligentes, igualmente criativas, e as convido, inspiro, na direção desse projeto comum. Portanto, estamos convidando a uma mudança de era - passar da era da liderança para a era da colaboração e da co-inspiração em um projeto comum.
IE: Quem são esses tipos de Homo sapiens dos quais vocês falam?
Ximena: Há o Homo sapiens no sentido zoológico. Falamos em Homo Sapiens-Amans amans, Homo sapiens-Amans agressans e Homo Sapiens-Amans arrogans. Porque dizemos Homo sapien- Amans Amans? Porque nascemos como seres amorosos. Quando o chamamos de Agressans, ou uma pessoa que é agressiva numa relação, ela nasceu agressiva ou se transformou em agressiva pela cultura que viveu? Ela nasceu amorosa, como todos. E se transformou em um Homo sapiens-Amans agressans pelo modo de vida. E se transformou em um Homo Sapiens-Amans arrogans pelo modo de vida. Mas nasceu amoroso, da mesma maneira que nascem todos os seres humanos.
Maturana: Homo Sapien- Amans amans tem a ver com a origem do humano, com o conversar, com o que faz isso possível. No olhar zoológico, se fala do Homo sapiens, um ente zoológico. Estamos falando de um ente zoológico-psíquico, zoológico-relacional. É um animal que se constitui na história na conservação da linguagem e do conversar. E a emoção que faz com que seja possível que isso aconteça, na história evolutiva, é o prazer de estar junto, porque para que a linguagem surja, se requer permanecer na companhia dos outros.
(Instituto Ethos)
http://mercadoetico.terra.com.br/noticias.view.php?id=2796 – Acesso 30/04/2008

segunda-feira, 28 de abril de 2008

ZUENIR VENTURA - Hoje não há geração, há tribo.

ZUENIR VENTURA - Entrevista
Em novo livro sobre 68, jornalista mostra a diferença entre as atitudes da juventude

Rodrigo de Almeida

É do jornalista Zuenir Ventura uma das mais fascinantes reconstituições do que ocorreu no Brasil em 1968. Do desbunde às lutas políticas, das paixões libertárias aos dramas soturnos, dos relatos sublinhados pela história oficial aos detalhes daqueles personagens, nada escapou ao olhar arguto de Zuenir em 1968: o ano que não terminou, publicado em 1988. Vinte anos depois daquele livro, 40 anos depois do interminável 1968 e um tanto de experiência a mais, sem abdicar da inquietação jornalística juvenil, Zuenir retoma o tema e publica, pela editora Planeta, 1968: o que fizemos de nós. O título é preciso: mais do que uma reportagem sobre aquele ano revisto hoje, trata-se de um diálogo entre duas gerações. Passado e presente se unem e se confrontam nas diferenças não só dos jovens de ontem e de hoje, como também de jovens que se transformaram em senhores e senhoras.

JB -Um livro sobre 68 corre o risco de exibir um excesso de saudosismo em relação àquela geração e um excesso de crítica frente à atual. No seu livro, a crítica parece ser mútua. Muitos dos personagens ouvidos revelam certo desencanto sobre o que poderiam ter sido e o impacto daquelas idéias nos anos seguintes. Ao mesmo tempo, há uma análise dura sobre a perda das utopias, da esperança, da crença no futuro. Você compartilha desse desencanto?

VENTURA – Procurei ser eqüidistante exatamente por esse risco. Em geral, a visão sobre 68 e mesmo sobre hoje costuma ser muito maniqueísta. Há o risco da apologia e da negação. Em geral, os jovens sofrem o risco de serem rejeitados. Com 68 foi assim e com hoje também é. Há uma tendência a rejeitar o impacto de uma coisa nova. A diferença é que em 68 a resposta era muito agressiva. Dizia-se: "Não confie em ninguém com mais de 30 anos". Mas não acho que haja desencanto. Por natureza, não tenho olhar desencantado, mesmo em relação a hoje, que vivemos tempos difíceis. Costumo dizer que é tão fácil ser pessimista que sou otimista. Há, nas duas gerações, coisas interessantes e coisas críticas. Como Narciso, achamos feio o que não é espelho. Mas o depoimento do psicanalista João Batista Ferreira e a conversa que tive com muitos jovens me ajudaram a ter um olhar mais generoso.

JB - Se era para não confiar em ninguém com mais de 30 anos, hoje esses personagens não são confiáveis...

VENTURA – Quarenta anos pesam em qualquer história, em qualquer biografia. Eu me surpreendi ao entrevistar as três meninas (Maria Lúcia Dahl, Maria Clara Mariani e Marília Carneiro). Todas pareciam revolucionárias e hoje são avós! Quarenta anos deixam você mais conservador. O estranhamento com o mundo das novidades é muito grande. Quando vou a uma festa rave não escondo minha perplexidade diante das coisas que não estou preparado para perceber em termos de comportamento. Não quero bancar o jovem. Por sabedoria, temos de procurar entendê-lo, e não o contrário.

JB - Que mudanças você identifica entre a geração de 68 e a de hoje?

VENTURA – Os jovens de hoje são mais individualistas. O mundo mudou muito, até o conceito de geração mudou. Hoje não há geração, há tribo. Os jovens integram a fragmentação do mundo e, por isso, são voltados para seus interesses, seus desejos. Não têm nenhum apego ideológico, não há interesse na política. Falo isso sem juízo de valor. Mas não é do projeto deles. Aliás, não têm projeto, como havia um em 68. Dizia-se: "Quero um mundo novo". Numa festa rave você se depara com a busca agônica do paroxismo, de vertigem, de êxtase. Ou do ecstasy. Tudo isso é muito diferente em relação àquela geração de 68. O fato é que hoje não há muita razão para ter um projeto, uma vez que se vive num mundo muito inseguro. Como pensar no futuro se não se sabe nem se o planeta terá futuro? Além do desapego e de um amor ao acaso provisório, os jovens de hoje não olham mais para o passado com a nostalgia do não vivido. Não há saudosismo, o que é positivo.

JB - Você cita o filósofo Francisco Ortega, para quem as utopias corporais substituíram as sociais. Ou seja, lida-se com o corpo, mas sem a transgressão?

VENTURA – Exatamente. Aquele momento foi o início do hedonismo, da preocupação de se voltar para o corpo. Mas era tudo muito incipiente. Hoje radicalizou. O tabu saiu da cama e foi para a mesa. Há aquilo que eu chamo no livro de degeneração, que é a pior herança: as drogas. Havia em 68 uma utopia ingênua, em que as drogas permitiriam uma abertura de consciência. Quarenta anos depois sabemos que não é bem assim. A verdade é que a droga não tem a menor graça. Ou melhor, graça tem, porque é prazer e esse é o grande perigo. Por isso é tão difícil lidar com ela. O combate é o mais desastrado possível. É o combate pela polícia, pela criminalização do usuário. Essa é a mesma política de 68. É a herança maldita.

JB - Você ressalta a existência hoje de um "inventário negativo". Por que a tentativa de mostrar que aquele ano definitivamente acabou?

VENTURA – A presença desse inventário negativo é muito forte e não só aqui. Aliás, mais do que no Brasil isso ocorre na França. Primeiro o ex-agitador Daniel Cohn-Bendit é acusado de pedofilia. Depois vem o presidente francês Nicolas Sarcozy dizendo que 68 tem de acabar. A campanha se radicalizou. Depois da indulgência plenária desses anos todos, parece ter chegado a hora da desforra: "Vamos acabar com 68". Temos hoje um olhar sobre 68 tão maniqueísta quanto tínhamos em 68. Temos a tendência de culpar 68 por tudo de ruim: a permissividade, a descrença nos valores, a anomia... E esse olhar é tão errado quanto naquela época, quando se achava que se estava do lado do bem e todo o resto era do mal. Varrer 68 do mapa não é a melhor maneira de rever tudo. A ditadura militar sempre tentou enterrar 68. Mas ocorreu o fenômeno que a psicanálise explica muito bem: o retorno do recalcado. É um mistério como 68 sobrevive no imaginário das pessoas.

JB - No livro, o sociólogo César Benjamim diz: "Se continuamos interessados em 1968 é porque o que então ocorreu ainda nos tem a dizer sobre o futuro".

VENTURA – Está certíssimo. Como ele diz, 68 ainda tem muito que dizer. Avançou-se muito, sobretudo em comportamento. Talvez tenha ido longe demais, e é difícil digerir todas aquelas novidades, invenções, descobertas. Leva tempo. Como receber essa herança é a grande questão. No primeiro livro sobre 68, usei como epígrafe uma frase do Mário de Andrade, sobre a geração dele: "Não devemos servir de exemplo a ninguém. Mas podemos servir de lição". Portanto, há muitas lições. Uma delas é em relação ao voluntarismo. "Quem sabe faz a hora, não espera acontecer". Não é bem assim. Outra lição é que a democracia é um valor universal.

JB - Você ou os personagens falam do desapego das ideologias, do esvaziamento da ação política. Mas esse esvaziamento ocorre justamente quando vemos, no poder, egressos daquela geração.

VENTURA – É verdade, é um paradoxo. Temos 68 no poder. O Fernando Henrique reivindica para o governo dele certos princípios de 68. Olha-se para o governo Lula e se vê que, em volta dele, há muitos personagens de 68. Se 68 não chegou à Presidência da República, pode-se dizer que chegou ao poder. Aliás, o conceito de geração ali não era por idade, mas por afinidade. Havia várias gerações. Alceu Amoroso Lima, Sobral Pinto, Hélio Pellegrino, todos eram geração 68. Isso é curioso porque revela que 68 é mais plural do que pensamos. Não foi uma geração de esquerda. Essa impressão se deve pelo fato de o PT ter sido o partido que mais condensou os princípios de 68, como a paixão pela coisa pública e ética. Achávamos que o PT era o partido de 68. Nunca fui vinculado a nenhum partido, nem em 68. Mas a minha simpatia pelo PT era pela ética. Mas de uns tempos para cá os escândalos sempre têm alguém do PT. Essa transição para o poder foi chocante.

JB - Você falou do abalo da dimensão ética, mas há também o questionamento das utopias.

VENTURA –
Diz-se que a utopia acabou. O fato é que a utopia social caiu em si. Sabemos que não se pode fazer a transformação daquele jeito que imaginávamos em 68. Não pela via da revolução. Mas não acho que o sonho tenha acabado. Se perdermos a capacidade de sonhar, aquele sonho que o Freud associa a desejo, estamos perdidos. Acaba nossa razão de ser. De que maneira sonhar? Com a mudança, com o desejo de melhoria de sua vida, de sua cidade, de seu país. Isso é inseparável da história do homem. Há uma corrente pós-moderna do ceticismo, do cinismo, segundo a qual a utopia, a esperança e a solidariedade seriam sentimentos decadentes. Acho que não. São valores permanentes.

JB - Você só aparece em um ou outro episódio ou no subtexto. Por quê?

VENTURA –
Minha participação em 68 foi de testemunha, de repórter. Nós, jornalistas, somos testemunhas do nosso tempo. Então, muito mais interessante do que eu falar seria dar voz aos outros. Eu não tive importância. Se tive um papel, foi de testemunha. (Jornal do Brasil, on line, 26 de abril de 2008)
http://jbonline.terra.com.br/editorias/ideias/papel/2008/04/26/ideias20080426002.html

EDGAR MORIN - Fragmentos de uma entrevista

FOLHA - Mas o mal-estar que causou Maio de 68 permanece...
MORIN - Não só permanece, como agravou-se. Onde há vida urbana e desenvolvimento, há estresse e ritmos de trabalho desumanos. A poluição causa males terríveis, e nossa civilização é incapaz de impedir a criação de ilhas de miséria. Mas o que piorou mesmo foi o fato de termos perdido a fé no progresso. O mundo ocidental dava como certa a idéia de que o amanhã seria radioso. Mas, nos anos 90, percebeu-se que a ciência trazia também coisas como armas de destruição em massa e que a economia estava desregulada, enterrando de vez a promessa de que as crises haviam deixado de existir. O sentimento de precariedade é agravado pelo fato de os pais não saberem se seus filhos terão um emprego. Tampouco há esperança vinda da esfera política. Os políticos hoje se contentam em pegar carona no crescimento econômico. Não bastasse a ilusão de que esse crescimento da economia resolveria os problemas, eis que agora impera a estagnação. O mal-estar está mais profundo, inclusive nas classes que têm acesso ao consumo. E quando não há mais futuro, a gente se agarra a um presente desprovido de sentido ou ao passado -nação e religião.

FOLHA - O senhor acredita no choque das civilizações?
MORIN - Parece cada vez mais grave a confrontação entre os mundos árabe-islâmico e ocidental. Mas isso não é um choque de civilizações, até porque boa parte do mundo muçulmano está amplamente ocidentalizada. O problema é que os países árabe-islâmicos estão tomados por um desespero ligado ao fracasso da democracia e do socialismo naquela região e à imensa corrupção trazida pelo capitalismo. Diante disso, parte da população torna-se ultra-religiosa e pensa que a salvação está numa interpretação integrista da sharia, a lei islâmica. O choque das civilizações é uma profecia que se auto-realiza. Acreditar nela é estimulá-la. Além disso, islã, cristianismo e judaísmo têm um tronco comum. São fés monoteístas muito parecidas. Por isso me tranqüiliza saber que grandes civilizações como a China e a Índia tiveram a felicidade de escapar disso. Muitos males advêm dos monoteísmos. Olhe o que acontece com a questão israelo-palestina. Nos dois lados impera cada vez mais a visão religiosa de um problema fundamentalmente nacionalista. Repare na força dos evangélicos nos EUA, berço da sociedade mais materialista do mundo e onde a teoria do criacionismo não pára de se espalhar. Tudo isso é uma grande regressão. Não acredito no choque das civilizações, acredito na volta da barbárie em suas mais diversas formas.

FOLHA - Uma das maiores mudanças mundiais das últimas décadas, a internet, na sua opinião, afastou ou aproximou as pessoas?
MORIN - Se considerarmos o fato de a internet ser um instrumento polivalente, que serve até aos interesses do crime, acho que a rede aproxima as pessoas. A internet tornou-se um sistema nervoso artificial que tomou conta do planeta. É algo que ajuda muito na hora de desenvolver afinidades, encontrar amigos, amores ou parceiros de hobby. A internet é um fato universal importantíssimo. Mas os sistemas de comunicação não criam compreensão. A comunicação apenas transmite informação. É preciso estimular o surgimento de uma consciência planetária. Se a internet não desenvolver a idéia da comunidade de destinos da humanidade, terá apenas uma função limitada e parcelar.

FOLHA - Que papel restou para o intelectual hoje?
MORIN - O intelectual é alguém que toma a palavra em público para levantar problemas fundamentais. Infelizmente, os intelectuais foram levianos quando se tornaram stalinistas ou maoístas. Eles enganaram as pessoas.Por outro lado, é ruim quando nos deparamos com um mundo entregue a peritos, especialistas e economistas, que são incapazes de enxergar a abrangência dos problemas essenciais e globais.Intelectuais são necessários, mesmo quando eles se enganam. Quanto mais o mundo acha que não precisa deles, mais eles fazem falta (risos).

(Entrevista concedida ao jornalista SAMY ADGHIRNI viajou a convite do evento Fronteiras do Pensamento- Folha de São Paulo, on line, 28 de abril de 2008)
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft2804200813.htm

domingo, 27 de abril de 2008

UMA ESQUERDA À PROCURA DE SEU ESQUERDISMO

Teologia da Libertação é a referência ideológica e política que aproxima muitos dos governos latino-americanos

José de Souza Martins*

As esquerdas latino-americanas estão à procura do seu esquerdismo. Monsenhor Fernando Lugo, eleito presidente do Paraguai, já explicou que não é de esquerda. O próprio Lula volta e meia explica que também ele não é de esquerda. Multidões de latino-americanos foram induzidas a votar em candidatos de esquerda que não são de esquerda. São de quê? Estamos em face da emergência política de populações residuais da história que se expressam através de rótulos políticos divorciados de sua realidade e de suas possibilidades históricas e sociais. São egressas recentes da prisão de interdições levantadas pelas potências na Guerra Fria, seja o policialismo da CIA e do Departamento de Estado, seja o colonialismo ideológico do Partido Comunista da União Soviética.
Essas populações residuais, literalmente, juntaram os cacos da história de seus países para, com eles, construir alternativas e metas políticas e achar um rumo para suas carências sociais e sua orfandade. Diferente do que é próprio da verdadeira esquerda, a referência social desse nascimento político não é a classe social e menos ainda a classe operária.
Nesses e em outros casos latino-americanos, foi fundamental a participação de setores da Igreja Católica e de algumas igrejas protestantes, inspirados na Teologia da Libertação, apoiados nas comunidades eclesiais de base que por aqui vieram a ser a forma popular de organização da Igreja. Aí está a referência propriamente ideológica e política que, se não unifica a “nova esquerda” latino-americana, ao menos aproxima os protagonistas das mudanças, apesar de suas enormes e dificilmente conciliáveis diferenças.
Nessa perspectiva, a eleição do “ex-bispo” Fernando Lugo, no Paraguai, parece completar um ciclo que se iniciou em 1979, na Nicarágua, com a tomada do poder pelos sandinistas, no início muito apoiados pelos católicos de todos os cantos, em boa parte graças à presença do padre Ernesto Cardenal no governo. Mas as enormes contradições desses híbridos grupos políticos no poder logo anunciaram a relativa brevidade dessas revoluções tópicas. No caso da Nicarágua, já em 1981, com a violenta intervenção militar dos americanos, através dos contra-revolucionários, e o crescente descontentamento popular com a adoção do modelo econômico cubano, o país foi lançado no olho das turbulências da Guerra Fria. O fôlego do sandinismo foi curto.
A eleição de Lugo levanta a questão de como reagirá a Igreja diante de mais essa participação de religiosos no poder e tudo que isso representa, dado que, embora afastado, ele ainda é bispo. O Vaticano não tem como aceitar a militância política direta da fração partidária da Igreja que, ao se dizer marxista e cristã, introduz o desafio da premissa ideológica da luta de classes na religião. E, portanto, o implícito questionamento de sua catolicidade. Mesmo que Lugo diga que não é de esquerda.
Se Marx não está presente nesse cenário, a não ser nominalmente, há um setor da Igreja Católica que está. Pode-se encontrar os mesmos religiosos entrevistando Fidel Castro ou com ele passando férias, assessorando Lula e com ele convivendo no próprio corredor do Palácio do Planalto ou sendo lidos por Monsenhor Lugo e com ele, ostensivamente, indo à missa numa igreja de Assunção no dia da eleição. Mesmo quando se trata de um Chávez tão hostil à Igreja ou de um Evo Morales chavista, organizações como o MST fazem a sua ponte com os setores da Igreja que assumiram funções ideológicas na falta de idéias que supram as necessidades históricas de afirmação política dos recém-chegados.
As figuras de destaque da nova realidade política latino-americana são discrepantes em relação às do modelo convencional de política e à política de imitação que herdamos da Europa para implantar aqui o Estado moderno. Seu esquerdismo decorre da falta de melhor rotulação. São, porém, num certo sentido, figuras mais autênticas na representação política de parcelas significativas de populações dos respectivos países. Resta saber se a autenticidade está só nos retardatários da história que politicamente representam ou se está também na possibilidade de recriar o Estado democrático e pluralista em que tenha representação a nossa peculiar diversidade social.
Se as elites latino-americanas fracassaram em inventar um modelo político, a “nova esquerda” já fracassou na origem porque não dispõe de doutrina nem de teoria que lhe permita apoiar-se num pensamento politicamente inovador e universal. Tem apenas uma teologia. O fracasso vai do petismo no Brasil ao zapatismo no México, passando pelo bolivarismo venezuelano e as diversas variantes desses slogans em outros países do subcontinente. Em todas as partes, a “nova esquerda” não é expressão de maciça opção popular. O governo de Lula tem sido viável unicamente por meio de incondicional aliança com o que há de pior na direita. No caso de Lugo, só poderá governar em aliança com uma das crônicas facções da direita paraguaia. Estamos em face de um cenário de fracasso das formas clássicas de representação política, como expressaram dez ex-presidentes de países latino-americanos, de origem social-democrata e democrata-cristã, em seminário realizado em São Paulo, há alguns meses. Mas também diante do fracasso da “nova esquerda”, incapaz de inovar de conformidade com as possibilidades da massa informe que a sustenta, unida por vago nacionalismo e vaga religião.
A humanidade confinada nos grupos sociais marginalizados do processo político dos diferentes países, desde a respectiva independência, está emergindo como ator político, cuja cara não é reconhecível no espelho da concepção de política que herdamos da Revolução Inglesa e da Revolução Francesa. Nossos países foram constituídos historicamente no embate entre a civilização e a barbárie. Os representantes do que era preconceituosamente definido como a barbárie estão agora no poder. Como os barbarizamos, já não sabemos como tratar com eles nem o que deles esperar. Nem eles.
*José de Souza Martins, professor de Sociologia da Faculdade de Filosofia da USP, é autor de A Sociabilidade do Homem Simples (2ª edição revista e ampliada, Contexto, 2008) e A Aparição do Demônio na Fábrica (Editora 34, 2008)
http://www.estado.com.br/suplementos/ali/2008/04/27/ali-1.93.19.20080427.9.1.xml

RUBEM ALVES - Sobre vírus e demônios

Sabendo que em tempos passados pratiquei a feitiçaria chamada psicanálise, você me pediu um diagnóstico sobre uma perturbação que o possui de tempos em tempos. Li a descrição dos seus sintomas com a maior atenção. Você é uma pessoa educada, madura, generosa, respeitada. Mas, repentinamente, como que atingido por uma descarga elétrica, você passa por uma metamorfose.
Sua descrição da metamorfose me fez lembrar daquele personagem de um seriado, o Hulk. Normalmente, homem simpático e franzino, de repente, quando provocado, ele se transformava num outro, totalmente diferente. Ninguém diria que se tratava da mesma pessoa. Os olhos ficavam estranhos, vidrados, o corpo inchava com músculos descomunais, a pele ficava verde, as roupas rasgavam e ele ficava possuído por uma força e fúria incontroláveis. Ainda bem que não é isso que acontece com você pois, se acontecesse, sua despesa com os alfaiates seria enorme...
Tudo acontece repentinamente. O conselho de contar até 10 não serve para nada. Antes de começar a contagem você já está possuído. Tudo em você fica diferente e os outros o olham com espanto. Mas o outro-você nem liga. Não há palavra que o segure. Como se fosse uma ejaculação de fúria. Aí, passado o surto, o outro-você deixa a cena. Some. E o você-você volta para o corpo, coberto de vergonha. É hora de tentar consertar os estragos.
Você sabe pedir desculpas. Isso é uma virtude. Mas você sabe que há coisas que não podem ser consertadas. Pode ser que a pessoa magoada pelo Hulk o desculpe, mas é impossível que ela se esqueça do que viu. Ela viu o você-outro, de que ninguém gosta. Nem mesmo você. O seu horror é triplo. Primeiro, o horror por aquilo que o outro-você fez. Você feriu uma pessoa que você ama. Segundo, o horror de que os outros o tenham visto daquele jeito monstruoso. Você deve conhecer um brinquedinho, não sei o nome em português. Em inglês é “Jack-in-the-box”. É um cubo de metal com uma manivela. O cubo metálico é bonitinho, suas faces pintadas com imagens engraçadas. Aí, a gente vai rodando a manivela e, de repente, a tampa se abre e de dentro do cubo salta uma cabeça estranha que dá um susto. Vendo o cubo fechado ninguém suspeitaria da cabeça estranha que está dentro dele. Pois você é parecido com o “Jack-in-the-box”. Todo mundo fica com medo de rodar a manivela. Terceiro, o horror de que exista um outro-você que está além do seu controle racional. Se conselhos racionais valessem alguma coisa eu lhe daria vários e até poderia escrever um livro de auto-ajuda sobre o assunto: respire fundo, conte até dez, recite um mantra, invoque seu anjo da guarda... Sim, sim, onde estava o seu anjo da guarda? Acho que os anjos da guarda ou estão muito distraídos ou são fracos demais diante do seu Hulk.
Baseado nos meus conhecimentos híbridos de psicanálise e magia meu diagnóstico está pronto: você sofre de uma possessão demoníaca.
Imagino seu sorriso de incredulidade ao ler isto. “Como é possível que um homem como o Rubem Alves ainda acredite em demônios? Demônios são fantasias do imaginário religioso...”
De fato: os demônios são fantasias do imaginário religioso. As religiões os pintaram como seres repulsivos e feios, com cara de bode, chifres na cabeça, peludos, rabo, masculinos, de genitais em forquilha, e especialistas em soltar ventilações sulfúricas mal-cheirosas por suas ventas e partes inferiores. Invisíveis, vagam pelos espaços à procura de casas onde morar. Casas? Os corpos dos homens. Escolhida a vítima eles se aproximam, e por meio de seduções tentam entrar na casa. Se o dono da casa não abre, eles lançam mão da força. Arrombam a porta. Uma vez dentro da casa eles expulsam o seu dono e tomam conta de tudo. Você já deve ter ouvido falar de alguém: “Ele ficou fora de si”. Se ele ficou fora de si, quem é que ficou dentro de si? Só pode ser um outro que não ele. Então, naquele momento, o seu corpo não é posse sua. Está sob o controle de um outro que faz coisas que ele jamais faria.
Nos tribunais se usa falar em “privação dos sentidos” para se referir a uma pessoa que não é responsável por aquilo que fez. Se cometi um crime com “privação dos sentidos” eu não o cometi. Eu não era dono de mim mesmo. Então, eu não sou criminoso. Não posso ser condenado. Pois eu, quando estou na posse dos meus sentidos, sou uma pessoa boa e mansa que jamais praticaria um ato violento.
A vantagem da explicação religiosa é que ela absolve a pessoa possuída dos atos que ela pratica. Não foi ela. Foi ele, o demônio. A bela imagem da pessoa fica preservada.
Não descarte os demônios com o seu sorriso zombeteiro. Pode ser que o nome e as imagens não sirvam mais. Mas a “coisa” continua a existir com outros nomes. É como um “vírus” num computador. Ele entra sem permissão e faz a maior confusão... Pois assim são os demônios... Vírus, demônios, dois nomes diferentes para a mesma coisa. Com uma diferença: é mais fácil se livrar dos vírus que se livrar dos demônios.
Rubem Alves é escritor, teólogo e educador ( in Jornal on line Correio Popular/Campinas, SP, 27/04/2008)

sábado, 26 de abril de 2008

CULTO PELA JUVENTUDE UMA VIAGEM PELA HISTÓRIA

1) Hebreus – 3.000 a. C.
Os idosos eram cultuados como sábios. Não tinham o monopólio do saber mas possuíam experiências para julgar. Matusalém é o exemplo do velho sábio.

2) Gregos – 2.000 a. C.
Havia na Grécia Antiga um Templo dedicado à velhice. Mas essa foi uma das primeiras civilizações a cultuar a juventude. Surgem as Olimpíadas e a revolta contra a concentração de poder nas mão dos idosos.

3) Romanos – Séc. VIII a. C.
Ocorre uma clara disputa política. Os jovens queriam mais espaço e poder decisório. A luta de gerações se torna mais evidente.

4) Idade Média - Séc. V ao Séc. XV
O velho pobre, sem condições de ajuda na agricultura, era desprezado. Se era nobre podia ser considerado um sábio, um velho mesquinho sedento por poder ou uma pessoa ultrapassas.

5) Ano 30 e 40
Surgem esteticistas, massagistas e maquiladores para as mulheres comuna. As vendedoras de cremes de marcas Helena Rubinstein espalham-se pelo mundo. Bonito era parecer madura, sedutora e rica.

6) 1918
Marco na história do tratamento de beleza Surgens os primeiros peelings,para renovar a pele de soldados queimados na Primeira Guerra Mundial. Logo o tratamento passou a ser usado pelas estrelas do cinema mudo.

7) 1960
Nos países ricos, jovens de 14 a 22 anos criam uma cultura de grupo e entram num período de “ócio”. Querem estudar e se divertir. As mulheres fazem plásticas para parecer jovens. Querem ter a boca de Brigitte Bardot.

8) 1970
Surge o fenômeno do poder jovem. A indústria promove um culto a juventude. As mulheres queriam ter o corpo magérrimo da modelo Twiggy. Faziam plástica para reduzir os seios. A moda era usar camiseta sem sutiã.

9) 1980
Ocorre a “medicalização” da beleza. Dermatologistas oferecem métodos de rejuvenecimento. O personagem Mulher Maravilha representa o ideal de beleza: seios grandes, músculos definidos e cabelos compridos.

10) 1990
O modelo de beleza perde corpos perfeitos. A adolescência começa aos 10 anos e se estende por um período maior . Cremes faciais se tornam mais eficazes. O Botox começa a ser usado com fins estéticos.

11) 2000
Parece jovem é mais importante do que parecer rico, como no passado. A aplicação de Botox é o procedimento estético mais usado em todo o mundo.

(http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG83341-8055-519,00-A+ARTE+DE+ENVELHECER.html Revista EPOCA 25/04/3008 –Ed. N.519)

sexta-feira, 25 de abril de 2008

AGORA SEM AS MÃOS

- Como a tecnologia e o corpo humano vão se integrar no futuro - .
Uma garota olha fixamente para a tela do laptop. Existe imagem mais comum? Mas ela tem uma espécie de capuz de eletrodos sobre a cabeça. O capuz é conectado ao computador por fios. A expressão da adolescente é a imagem perfeita da concentração. Na foto, o detalhe que torna a imagem tão rara é que a menina está com os braços largados ao longo do corpo. O notebook está sendo operado pelo seu cérebro. Os terminais captam os impulsos de seus neurônios e fazem o computador funcionar. (...) Tenho certeza de que o "computador movido pela mente"vai trazer muito mais benefícios que coisas ruins. Sempre foi assim. Um dia daremos risada desses tempos de teclado-e-mouse. Computadores serão extensões de nossos pensamentos e acelerarão nossas vidas em escala nunca vista antes". (MARQUEZI, Dagomir in Revista INFO, abril 2008, pg.32)

O existencialismo tem futuro?

"Sarte foi de fato, um escritor de grande dimensões mas foi também um carrasco filosófico. Ele guilhotinou o existencialismo, juntamente quando nós mais precisávamos ouvir o uivo do existencialismo, seu berro que afirma que existe alguma coisa em comum entre Deus e todos nós. Todos nós, tal como Deus, somos artistas imperfeitos fazendo o melhor possível. Podermos ter sucesso ou fracassar - tanto Deus como nós. É isso que está implícito, ainda que de maneira subdesenvolvida, no existencialismo. Faríamos bem se voltássemos a viver como os antigos gregos - viver com a expectativa de que o final continua em aberto, mas a tragédia humana pode muito bem ser o nosso fim. A grande esperança não tem nenhuma fundamentação real, a menos que estejamos dispostos a olhar bem de frente a fatalidade, que talvez também já esteja a caminho. Esses são os pólos da nossa existência - como sempre foram, desde o primeiro instante do big bang". MAILER, Norman - O Grande vazio - Diálogo sobre política, sexo, Deus, boxe, moral, mito, pôquer e má consciência na América - SP, Cia de Letras, 2008, pg.173.

SEM PALAVRAS

A vida inteira busquei
explicações e deciframentos:
encontrei silêncio e segredo,
às vezes o conforto de um ombro,
outras vezes
dor.

No último lapso
de um tempo sem limites
- embora a gente o queira compor
em fragmentos -,
abriram-se as águas
e entrei onde sempre estivera.
Tudo compreendido
e absolvido,
absorta eu me tornei
luz sem sombra:
assombro.
Lya Lyft - O silêncio dos amantes, Ed. Record, SP, 2008, pg.9

quinta-feira, 24 de abril de 2008

OS 10 MANDAMENTOS DA RELIGIÃO (NEO)LIBERAL

Os 10 mandamentos da religião (neo)liberal em veneração ao divino Mercado apresentados por Dany-Robert Dufour


Nota prévia: a divulgação aqui das teses de Dany-Robert Dufour não significa obviamente a nossa concordância com todas elas. Pensamos sim que o seu conhecimento permitirá um debate mobilizador sobre os efeitos da ideologia neo-liberal e a consequente capacitação crítica de quem resiste a mais este deus, desta vez sob a forma do divino Mercado.


Um novo deus subiu aos altares nas nossas sociedades contemporâneas, o Mercado.
Um deus que se apresenta como um remédio para todos os males e que promete a felicidade eterna.
A religião, que o glorifica, esteve em gestação nos últimos 3 séculos e assistimos hoje aos seu triunfo e consagração.
Na sua origem está um princípio axiomático tão simples quanto paradoxal - «os vícios privados fazem as virtudes públicas», ou seja, os maus vícios privados levam à fortuna pública.
Este princípio moral reinante hoje em dia pode-se traduzir em 10 Mandamentos implicítos, muito poderosos, que são os 10 mandamentos do (neo)liberalismo:

1) Deixar-te-ás guiar pelo egoísmo e entrarás alegremente no rebanho dos consumidoresNota: o que equivale à destruição de qualquer individualidade


2) Utilizarás o outro como um meio para alcançares os teus finsNota: o que equivale à destruição de toda a «common decency»


3) Poderás venerar todos os ídolos à tua escolha, desde que adores o deus supremo, o mercadoNota: trata-se aqui do retorno (e reforço) do elemento religioso4) Não quererás ser um Kant-em-si a fim de escapares ao rebanhoNota: o que equivale à neutralização do ideal ( isto é, do espírito) crítico


5) Combaterás todo o governo e serás tu a assumir a boa governaçãoNota: este mandamento acabará por se traduzir na destruição da dimensão política substituída pela soma dos interesses privados


6) Ofenderás todo o professor que esteja em posição para te educarNOTA: o que equivale à desconsideração da transmissão de saberes e ao descrédito do poder formador das obras


7) Ignorarás a gramática e maltratarás o vocabulário Nota: tal conduzirá à criação de uma novlíngua


8)Violarás as leis sem te importares com issoNota: o que vai levar, paradoxalmente, à proliferação do direito e dos procedimentos quanto à invalidação de toda a Lei


9) Abrirás indefinidamente a porta já aberta por DuchampNota: o que comduzirá à transformação da negatividade da arte numa comédia de subversão


10) Libertarás as tuas pulsões e procurarás uma fruição sem limitesNota: o que equivale à destruição de uma economia do desejo e sua substituição por uma economia de fruição«Os vícios privados fazem as virtudes públicas» é uma fórmula que se tornou hoje banal mas que escandalizaou a Europa das Luzes quando foi enunciada em 1704 por Bernard de Mandeville, médico, e precursor mal conhecido do liberalismo. O seu enunciado, considerado perverso na época, foi fazendo escola ao longo dos séculos até se ter tornado hoje no princípio moral que rege o nosso planeta, na medida em que se constituiu no núcleo de uma nova religião que parece reinar um pouco por todo o lado e votada à veneração do divino Mercado.A pergunta que nos assalta de imediato é logo a de saber se as fraquezas individuais contribuem para as riquezas colectivas, não se deverá então privilegiar os interesses egoístas de cada um?
Quem se interroga assim e nos faz um diagnóstico analítico da nova religião éo filósofo Dany-Robert Dufour, apostado como está em interrogar as últimas evoluções das nossas sociedades contemporâneas.No seu último livro, com o sugestivo título «Divino Mercado.A revolução cultural liberal», ele aponta 10 mandamentos que consubstanciam a moral neoliberal hoje dominante em domínios tão variados como a relação de cada um em relação a si mesmo e ao outro, a sua relação para com a escola, bem com para com a política,a economia, a empresa, o saber, a língua a Lei, a arte, o inconsciente, etc. Com a sua abordagem o autor mais não pretende que dar conta da autêntica revolução cultural que vivemos hoje, e que não sabemos onde nos pode levar.


Com efeito, no livro «O Divino Marcado, a revolução cultural liberal» o filósofo francês Dany-Robert Dufour pretende mostrar que longe de termos saído da dominação religiosa acabamos na atualidade por sermos submergidos por uma nova e poderosa religião, o Mercado, duplamente mais eficaz, e funcionando segundo um princípio muito simpes que já fora apresentado por Bernard de Mandeville em 1704 : «os vícios privados fazem as virtudes públicas». Um milagre foi possível graças à intervenção de uma Providência divina, nada mais nada menos que a célebre «mão invisível» de que dam Smith falava. O autor apresenta ainda os 10 Mandamentos desta nova religião que se revela menos proibicionista que as religiões anteriores, porque apostada sobretudo em incitar e orientar os seus fiéis.


No seguimento da sua teorização e na linha de um Jean-Claude Michéa, tenta analisar o acontecimento histótico que foi o Maio 68 como uma formidável armadilha na medida em que os estudantes em luta contra o capitalismo acabaram por obter efeitos exactamente opostos àqueles que pretendiam atingir com o seu combate, uma vez que este acabou por abrir o passo a uma nova forma capitalismo, um capitalismo desregulado e desinstitucionalizado. Nesse sentido Maio de 68 é-nos apresentado como desencadeador de um espírito liberal, e não tanto libertário, uma vez que a transgressão permanente preconizada acabaria por desencadear uma libertação de paixões e de pulsões que se mostrava indispensável para o emergente reino da livre circulação das mercadorias.
Os pensamentos de Deleuze, Bourdieu e Foucault , aparentemente revolucionários quando questionavam toda a identidade e toda a cultura dominante, redundaram antes numa desimbolização liberal dos indivíduos ( isto é, numa desinibição simbólica), numa desubjecitivação do humano, contribuindo involuntariamente para o mercado conquistar mais facilmente os espíritos.
Livro:
Le Divin Marché. La révolution culturelle libérale
de Dany-Robert DufourDany-Robert Dufour - Le Divin Marché