segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Geografia da felicidade - Eliana Cardoso

Amanhã não será como ontem. Os velhos serão mais numerosos. Os movimentos migratórios, mais intensos. Os preços relativos, determinados na China e na Índia. A desigualdade será maior e a resistência à globalização, também. Mas, acima de tudo, a cara do mundo vai mudar com o aquecimento global.
Os cientistas alertam que a fronteira entre o passado e o futuro está próxima. A mudança climática pode ser mais abrupta do que se pensava. Talvez o homem não tenha o poder de impedi-la. Diante dessa suspeita, os pesquisadores parecem dispostos a substituir o discurso de contenção do desastre pela idéia de adaptação às novas condições.
Adaptação requer conhecimento. Por isso, as Universidades de Yale e Columbia produzem o Environment Performance Index (EPI), ou índice de desempenho para o meio ambiente. O EPI resume 25 indicadores de políticas em saúde ambiental, poluição do ar, recursos hídricos, biodiversidade, recursos naturais e mudança climática.
Entre 149 países, o melhor EPI de 2008 vai para a Suíça, também campeã de felicidade, segundo as informações do banco de dados conhecido como The World Database of Happiness, obra da Universidade de Erasmus, em Roterdã. Um jornalista americano, Eric Weimar, munido das informações de Roterdã, visitou sete países e escreveu The Geography of Bliss.
Diz ele que a felicidade não existe na Moldávia. Que ela não tem problemas de convivência com as altas taxas de suicídio na Suíça. Que felicidade é política de governo no Butão. Na Inglaterra, suspeita-se que ela não passe de uma invenção americana de qualidade duvidosa. Por outro lado, embora os americanos a considerem um direito inalienável, seu país tem um índice fraco, dado seu nível de renda. Esse fato é incompatível com a teoria de que os ricos são mais felizes do que os pobres?
Incompatível, mas incontestável, mostra o mapa contido no trabalho A Global Projection of Subjective Well-Being, do professor Adrian White, da Universidade de Leicester. No topo de sua lista estão os países europeus. Na rabeira, os países pobres mergulhados em conflitos (como o Congo). Também se dão mal os países com densa população e muita poluição (como a Índia e a China).
A Nova Zelândia, com 4 milhões de habitantes e 40 milhões de carneiros, se dá bem. Entre 178 nações, ocupa a 18ª posição. Será mera coincidência que seu EPI esteja entre os melhores do mundo?A reação do economista é fazer um gráfico relacionando os dois índices. Assim fiz e o coloquei na minha home page. Ele mostra que, quanto melhor o EPI, mais feliz está a população do país. Entre as populações mais desafortunadas estão as de países com graves problemas ambientais (como o Chade e o Níger). O gráfico também permite argumentar que os EUA, apesar de sua riqueza, têm um índice de felicidade abaixo de outros países menos ricos, porque seu EPI é medíocre.
Heureka! A idéia me ocorreu durante minha visita à Nova Zelândia em janeiro. Agradeço às paisagens que me encheram os olhos, à nova cozinha fusion e aos chardonnays e pinots noirs que me iluminaram a mente.
Viagem de arromba. A Nova Zelândia é uma monarquia democrática e a menor das economias da OCDE. Ela ainda depende das exportações de laticínios e carnes, embora o turismo se tenha tornado sua fonte mais importante de divisas externas. Para garantir a meta de inflação (entre 1% e 3%), um respeitável banqueiro central mantém a taxa de juros em 8%, excepcionalmente alta para um país desenvolvido. Taxa de juros alta combinada ao boom das commodities num país rico em recursos naturais só tem um resultado: valorização substancial do câmbio. Isso forçou uma intervenção do banco central em meados de 2007.
Valorização cambial, intervenção e reclamações de exportadores são pontos comuns ao Brasil e à Nova Zelândia.
Outros são as praias bonitas e as sandálias havaianas, que nivelam os habitantes em ambos os países, embora num deles a distribuição de renda seja desigual longe da praia e no outro, não.Cada um tem sua cor nacional. A nossa é o verde-amarelo. A deles, o preto. Nosso esporte é o futebol. O deles, o rugby. Nossa comida mais popular, o feijão. A deles, chesdale (um queijo do tipo cheddar). Nós temos jabuticabas. Eles, Wattie’s (petit-pois enlatados).
Nós usamos biquíni. Eles, camisa Swanndri. Não nos faltam macacos. A eles sobram carneiros. Aqui crescem coqueiros. Lá não há casa sem canteiro de flores. Nossas crianças se encantam com a Emília do Sítio do Pica-Pau Amarelo. As de lá, com a buzzy bee, que os irmãos Ramsay criaram nos anos 40. As nossas gostam de brigadeiro. As deles, do sorvete Tip-top.Nosso pássaro é o sabiá, que gorjeia no poema aprendido na escola. O deles é o kiwi, símbolo nacional e o mais estranho dos pássaros, pois não voa e sua plumagem parece mais um casaco de peles do que de plumas.Em 2006, o PIB per capita de US$ 6 mil no Brasil era menos de um quarto do PIB per capita da Nova Zelândia. O EPI do Brasil e o indicador subjetivo de felicidade dos brasileiros também são piores que os de lá. Com razão. Queimamos nossas matas, enquanto os neozelandeses cuidam de seu meio ambiente. E lá a polícia não usa armas, porque não precisa.
Para terminar. Se você ainda não leu o Sr. Pip, de Lloyd Jones, jornalista neozelandês, vá correndo à livraria. No livro, durante o bloqueio do governo de Papua-Nova Guiné à Ilha de Bougainville na década de 1990, um professor improvisado lê Grandes Esperanças, de Dickens, com um grupo de crianças. A voz da menina, dotada de imensa ternura, registra muitos anos depois: ele “nos pegou pela mão e nos ensinou a reimaginar o mundo, a ver uma possibilidade de mudança e abrir espaço para ela em nossas vidas”. (Eliana Cardoso é professora titular da EESP-FGVSite: www.elianacardoso.com - Jornal Estadão, 11/02/2008)

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