quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

CRIANÇAS CONSUMISTAS - Jürgen Moltmann

Crianças e jovens de modo algum são vistos apenas como portadores de esperança da sociedade moderna. São também os mais fracos e, com isso, sujeitos a todo tipo de exploração e violência por parte dos adultos.


Crianças não têm lobby, diz-se, embora a declaração da ONU sobre os direitos da criança tenha sido ratificada em nossos países. Nos países de livre mercado observamos o crescimento agressivo da comercialização da infância e da juventude. Descobriu-se o recurso econômico criança, com um potencial de compra de dezena de bilhões por ano. Crianças tornam-se clientes.


A publicidade dirigida à criança atinge o quarto das crianças, as escolas, os ginásios esportivos e os estádios de futebol, com a finalidade de convencê-las de que é chique e legal usar as últimas criações da moda. Como se mostra na propaganda dos jeans, a publicidade dirigida aos jovens não veicula apenas produtos comercializáveis, veicula também simultaneamente a adequada cultura jovem.


Desde há algum tempo, na Alemanha, especialistas em publicidade também estão agindo em escolas do Estado, onde há obrigatoriedade escolar. O preço cobrado por isso é o financiamento por parte de empresas, que fornecem computadores, e laptops como novos recursos didáticos. Revistas juvenis, artigos de marca, Coca-Cola, nos cartazes, devem exercer seu poder de atração, para colocar as crianças em contato com a verdadeira vida. Empresas de marketing escolar influem também nos livros didáticos.


Quer se critique isso como “terror consumista”, quer se elogie isso como componente da vida moderna, enquanto houver obrigatoriedade escolar a publicidade escolar levará à privação da liberdade dos alunos. Isso deve ser evitado mediante uma proibição legal da publicidade em escolar estatais. (MOLTMANN, Jurgen. No fim, o início – breve tratado sobre a esperança. Loyola, SP, 2007, pp: 40-41).

TEORIA DO FLUXO

"Segundo Hoffman & Novak (1996a) e Novak, Hoffman & Yung (2000), o conceito do fluxo do pioneiro Csikszentmihalyi, desenvolvido durante as duas últimas décadas, é tido como essencial para compreender o comportamento de navegação de consumidores em ambientes on-line – sendo útil para compreender, de maneira geral, as interações entre o homem e o computador.

Hoffman & Novak, como já dito anteriormente, definiram o fluxo como um estado de experiência ótima que pode ocorrer durante a navegação on-line. Para Csikszentmihalyi (1999, 1990) e Csikszentmihalyi & LeFreve (1989), o fluxo constuma ocorrer quando uma pessoa se depara com um conjunto claro de metas que exigem respostas adequadas. É fácil entrar no estado de fluxo em jogos como o xadrez, por exemplo, porque possui metas e regras para o desenvolvimento da ação que possibilita o jogador agir sem questionar como deve proceder. Ainda de acordo com o autor, a mesma definição e clareza das metas pode ser manifestada quando se executa um ritual religioso, tece um tapete, escreve um programa de computador, escala uma montanha. Assim, as atividades que levam ao fluxo são chamadas de “atividades de fluxo”.

Em síntese, os momentos excepcionais e prazerosos da vida são chamados de “experiências de fluxo”. De acordo com Csikszentmihalyi (1999), viver é experimentar e isso ocorre a qualquer momento ou tempo, por meio de atos, pensamentos e sentimentos. Cada indivíduo tem um meio de atingir uma “experiência ótima” ou o fluxo; “uma sensação de ação sem esforços experimentada em momentos que se destacam como os melhores de sua vida” (Csikszentmihalyi, 1999, p.36)

As atividades que induzem ao fluxo – “atividades de fluxo” – oferecem um feedback imediato sobre o desempenho do indivíduo. As experiências de fluxo geralmente acontecem quando as habilidades de uma pessoa estão totalmente contidas em vencer um desafio que se encontra no limite de sua capacidade de controle. Ou seja, se os desafios são exageradamente altos, a pessoa tende a ficar, numa seqüência, frustrada, preocupada, ansiosa e exaltada”. (Csikszentmihalyi, 1999; 1990).

Por outro lado, quando os desafios são baixos e as habilidades da pessoa são altas, ela tende a ficar relaxada e logo depois entediada. Quanto tanto os desafios e as habilidades são baixas a pessoa sente-se apática; porém, quando os altos desafios são correspondidos por altas habilidades, é provável que essa pessoa atinja o fluxo (Csikszentmihalyi, 1999).

“O fluxo tende a ocorrer quando as habilidades estão totalmente envolvidas em superar um desafio que está no limiar de sua capacidade de contole”(Csikszentmihalyi, 1999, p.37). Além disso, as experiências ótimas precedem a necessidade de um ligeiro equilíbrio entre as oportunidades disponíveis para ação e a capacidade do indivíduo de agir. (...) O fluxo acontece quando ambas as variáveis, habilidades e desafios, estão elevadas. Assim o autor da teoria afirma que a experiência de fluxo age no desenvolvimento de novos níveis de desafios e habilidades e funciona como um processo de aprendizagem, pois os indivíduos sempre que não atingirem o estado de fluxo ou que seus desafios forem superiores às suas capacidades estarão buscando aprender novas habilidades e meios para superá-los. (LAGES, Natalia de Sales. Mensuração da experiência do consumidor na internet: avaliação das escalas do modelo de Novak, Hoffman & Yung (2000). Dissertação de Mestrado. Escola de administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2003, pp: 46-47.)

Referências Bibliográficas:

1) CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. A Descoberta do Fluxo: psicologia do envovimento com a vida cotidina, RJ: Rocco, 1999.
______________________, Flow; the psychology of optimal experience. New York: HarperCollins Oublishers, 1990.
______________________ & LEFREVE, J. Optimal Experience in Work and Leisure. Journal Personality and Social Psychology, vol. 56. n.5, 1989, 815-822.

2) HOFFMAN, Donna L. & NOVAK, Thomas P. “Marketing in Hypermeida Computer-mediated Environments Foundations”. Journal of Marketing. Vol. 60, July, 1996(a), pp: 50-68

3) NOVAK, Thomas P.; HOFFMAN, Donna L. & YUNG, Yiu-Fai. “Measuring the Customer Experience in Online Environments: A Structural Modeling Approach”. Marketing Science. Vol. 19, n.1, 2000.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Tempus Fugit — Carpe Diem

Tenho nas minhas mãos um relógio de sol. Você deve achar estranha essa declaração porque relógios de sol são, normalmente, objetos grandes e pesados, feitos ou de pedra ou ferro. Mas o meu relógio é diferente. Ele é do tamanho de um daqueles antigos relógios de bolso, com dois milímetros de espessura. Prodígio da tecnologia moderna? Não. Prodígio da tecnologia medieval. Comprei-o há muitos anos numa lojinha da cidade de Carcassone, no Sul da França. Dizem que Carcassone, dentre todas as cidades medievais que restaram, é a mais bem preservada. Um turista que viaje por aquela região não pode perdê-la.
Carcassone era ponto de descanso para os peregrinos que iam para Santiago de Compostela ou para pagar promessas ou à procura de milagres. Aqueles minúsculos relógios de sol, eles os levavam como colares à volta do pescoço para se orientarem sobre as horas do dia.
Gravado no metal dos relógios havia uma sóbria advertência: “Tempus Fugit”, o tempo está fugindo.
Mas por toda a cidade, nas inúmeras lojinhas freqüentadas pelos turistas, ao lado dos relógios de sol, vendiam-se também placas de louça, metal, madeira com a inscrição: “Carpe Diem”, colha o dia. Porque o tempo foge, urge gozar o dia.
A presença dessas duas frases latinas deixou-me intrigado. E isso porque, muitos anos antes de visitar Carcassone eu havia escolhido precisamente essas duas frases como resumo da minha filosofia de vida.
Coincidência? Eu poderia ter escolhido outras frases. E não havia nenhuma razão lógica para que elas se encontrassem em todos os lugares daquela cidade.
Veio-me então a suspeita inevitável: será que em algum século passado eu vivi aqui e que essas frases ficaram gravadas na minha alma até que um acidente qualquer as fizesse emergir até a minha consciência? Qualquer pessoa que visitar meu escritório verá que, nas duas portas, essas frases estão gravadas.
Sou uma ampulheta. A areia fina não pára de escoar de cima para baixo. É impossível não imaginar o momento quando o último grão de areia vai cair. A meu ver estas duas frases resumem a essência da sabedoria.
Ser sábio é viver bem. “Sapio”, em latim, quer dizer “eu degusto”. O sábio é alguém que sabe degustar a vida. E embora pareça estranho o que vou dizer, é a consciência da fluidez do tempo, a areia que escoa sem cessar, que nos desperta para o gozo de cada momento da vida. A consciência da morte põe tempero na vida. Todos os gostos, todos os cheiros, todas as cores, todos os sons ficam mais intensos exatamente porque tomamos consciência de fluxo da areia.
Nietzsche passou por um longo período de doença, tempo em que a areia escorre com mais velocidade. Vejam o que ele escreveu a respeito disso: “É assim que aquele longo período de doença aparece a mim, agora: é como se eu tivesse descoberto a vida de novo, incluindo eu mesmo; eu provei todas as coisas boas, mesmos as pequenas, de uma forma como os outros não as provam com facilidade. Somente a minha doença me levou à razão."
Fernando Pessoa teve a mesma experiência. No seu poema “Tabacaria” ele afirma: “Tenho a lucidez de quem está para morrer.”A consciência da morte torna a vida delicada. Ela é como a asa de uma libélula e nos faz prestar atenção no “momento”, que é a única coisa que realmente possuímos.
O bruxo Dom Juan advertia seu erudito discípulo, o antropólogo Carlos Castañeda: “A morte é a única conselheira sábia que temos. Sempre que você sentir, como sempre acontece, que tudo está errado e que você está ao ponto de ser aniquilado, volte-se para a sua morte e pergunte-lhe se assim é. Sua morte lhe dirá que você está errado. E uma imensa quantidade de mesquinhez desaparece se a sua morte lhe faz um gesto, ou se você a vislumbra, ou se você simplesmente tem o sentimento de que a sua companheira está ali, olhando para você.” A consciência da morte nos torna doces e mansos.“Que caminho então devemos tomar?”, o discípulo lhe pergunta. “Não importa”, responde o bruxo. Todos os caminhos conduzem ao mesmo fim. Escolhe, portanto, o caminho do amor...”
Consulto o meu relógio de sol comparando-o com os ponteiros do meu moderníssimo digitalizado. O relógio de sol confirma: o digitalizado está marcando a hora certa. Está na hora do “Carpe Diem...” ( Rubem Alves, Jornal Correio Popular on-line 17/02/2008)

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

OS OBJETOS QUE NOS AMAM TANTO

“Não apenas o desejoso movimento rumo à companhia do objeto resultaria recomendável de um ponto de vista clínico, mas demonstra, numa época de consumo especialmente eloqüente, a importante função dos objetos no estado de nosso espírito, no nosso equilíbrio psicológico e na existência cotidiana geral”, escreve Vicente Verdú, em artigo para o El País, 9-02-2008. A tradução é do Cepat.

Condenar as pessoas – especialmente as mulheres – que tratam de atenuar algum estado de depressão mediante compras de roupas e de outros artigos, dentro e fora das atuais liquidações, comporta uma injustiça firmemente baseada na ignorância, no obscurantismo, no falso humanismo e no rancor.

Não apenas o desejoso movimento rumo à companhia do objeto resultaria recomendável de um ponto de vista clínico, mas demonstra, numa época de consumo especialmente eloqüente, a importante função dos objetos no estado de nosso espírito, no nosso equilíbrio psicológico e na existência cotidiana geral.

Até meio século atrás o modo de vida dava oportunidade para viver densamente perto de muitas pessoas – na família extensa, na vizinhança, nas amizades robustas e duradouras – e, ao contrário, se passava com poucos e simplificados objetos. Agora, ao contrário, nos comunicamos densamente com muito menos pessoas e convivemos com um número incomparavelmente maior de objetos.
Agora nos conectamos com centenas de números através do telefone celular, dos chats, das web sociais, mas sem grandes vinculações nem longos períodos de duração. Com os objetos vem, com efeito, a acontecer algo similar, mas o decisivo neste caso é que o déficit de companhia pessoal sem fácil solução no universo das pessoas, é suprido com a considerável incorporação narcisista dos objetos, metamorfoseados em amáveis reflexos de si mesmo. Os objetos não são nunca o mesmo que os sujeitos (ainda que os objetos já sema propriamente “sujeitos”), mas resultam incomparavelmente mais suscetíveis de se manterem ao lado e se comportam no trato com uma condescendência infinita. E não se trata tão somente daqueles objetos que, instalados em casa há muito tempo, vêm a oferecer-nos um hálito de segurança, identidade e amparo com sua presença. Trata-se aqui do objeto recém adquirido e sempre inquietante, que transporta consigo uma inédita porção de amor e, em ocasiões, um amor transgressor e imprevisto, à maneira de uma anedota picante na reiteração dos dias. Com este objeto novo pode parecer, à primeira vista, que é o sujeito quem cria a totalidade da peripécia amorosa e que o objeto se deixa fazer.
A verdade, a verdade excitante, entretanto, radica em que também o objeto age, ama, exclama e transgride. O efeito positivo que o sujeito deprimido, ou não, experimenta através de uma compra caprichosa não é resultado da exclusiva fantasia do receptor, mas também da atitude do objeto que longe de ser apenas um placebo, mundo, surdo e quieto, desempenha um mágico papel ativo.

O objeto mostra seu amor próprio quando percebe que é atendido; o objeto é eleito pelo sujeito e nesse momento de sua seleção, transmite como resposta sua adesão ou sua recusa, sua inacessibilidade ou sua entrega. Desta dialética amorosa, do sujeito ao objeto e do objeto ao sujeito, se gera uma ginástica emocional de notáveis efeitos internos. O comprador ou a compradora, com a auto-estima eventualmente baixa, encontra nesse episódico romance um laço em que cresce o desafio e a redondeza do eu. Uma monstruosidade? Uma tonante obviedade.
Senão, como negar que o mundo em que vivemos se compõe cada vez mais não de seres humanos, animais ou plantas que nos importam, mas de uma afortunada espécie de objetos belíssimos e, muitas vezes, tão sedutores e complacentes que a existência iria se apagando de si, como os mais obstinados propõem, desapareceriam ou afugentariam do nosso entorno? (IHU/Unisinos, 13/02/2008)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Geografia da felicidade - Eliana Cardoso

Amanhã não será como ontem. Os velhos serão mais numerosos. Os movimentos migratórios, mais intensos. Os preços relativos, determinados na China e na Índia. A desigualdade será maior e a resistência à globalização, também. Mas, acima de tudo, a cara do mundo vai mudar com o aquecimento global.
Os cientistas alertam que a fronteira entre o passado e o futuro está próxima. A mudança climática pode ser mais abrupta do que se pensava. Talvez o homem não tenha o poder de impedi-la. Diante dessa suspeita, os pesquisadores parecem dispostos a substituir o discurso de contenção do desastre pela idéia de adaptação às novas condições.
Adaptação requer conhecimento. Por isso, as Universidades de Yale e Columbia produzem o Environment Performance Index (EPI), ou índice de desempenho para o meio ambiente. O EPI resume 25 indicadores de políticas em saúde ambiental, poluição do ar, recursos hídricos, biodiversidade, recursos naturais e mudança climática.
Entre 149 países, o melhor EPI de 2008 vai para a Suíça, também campeã de felicidade, segundo as informações do banco de dados conhecido como The World Database of Happiness, obra da Universidade de Erasmus, em Roterdã. Um jornalista americano, Eric Weimar, munido das informações de Roterdã, visitou sete países e escreveu The Geography of Bliss.
Diz ele que a felicidade não existe na Moldávia. Que ela não tem problemas de convivência com as altas taxas de suicídio na Suíça. Que felicidade é política de governo no Butão. Na Inglaterra, suspeita-se que ela não passe de uma invenção americana de qualidade duvidosa. Por outro lado, embora os americanos a considerem um direito inalienável, seu país tem um índice fraco, dado seu nível de renda. Esse fato é incompatível com a teoria de que os ricos são mais felizes do que os pobres?
Incompatível, mas incontestável, mostra o mapa contido no trabalho A Global Projection of Subjective Well-Being, do professor Adrian White, da Universidade de Leicester. No topo de sua lista estão os países europeus. Na rabeira, os países pobres mergulhados em conflitos (como o Congo). Também se dão mal os países com densa população e muita poluição (como a Índia e a China).
A Nova Zelândia, com 4 milhões de habitantes e 40 milhões de carneiros, se dá bem. Entre 178 nações, ocupa a 18ª posição. Será mera coincidência que seu EPI esteja entre os melhores do mundo?A reação do economista é fazer um gráfico relacionando os dois índices. Assim fiz e o coloquei na minha home page. Ele mostra que, quanto melhor o EPI, mais feliz está a população do país. Entre as populações mais desafortunadas estão as de países com graves problemas ambientais (como o Chade e o Níger). O gráfico também permite argumentar que os EUA, apesar de sua riqueza, têm um índice de felicidade abaixo de outros países menos ricos, porque seu EPI é medíocre.
Heureka! A idéia me ocorreu durante minha visita à Nova Zelândia em janeiro. Agradeço às paisagens que me encheram os olhos, à nova cozinha fusion e aos chardonnays e pinots noirs que me iluminaram a mente.
Viagem de arromba. A Nova Zelândia é uma monarquia democrática e a menor das economias da OCDE. Ela ainda depende das exportações de laticínios e carnes, embora o turismo se tenha tornado sua fonte mais importante de divisas externas. Para garantir a meta de inflação (entre 1% e 3%), um respeitável banqueiro central mantém a taxa de juros em 8%, excepcionalmente alta para um país desenvolvido. Taxa de juros alta combinada ao boom das commodities num país rico em recursos naturais só tem um resultado: valorização substancial do câmbio. Isso forçou uma intervenção do banco central em meados de 2007.
Valorização cambial, intervenção e reclamações de exportadores são pontos comuns ao Brasil e à Nova Zelândia.
Outros são as praias bonitas e as sandálias havaianas, que nivelam os habitantes em ambos os países, embora num deles a distribuição de renda seja desigual longe da praia e no outro, não.Cada um tem sua cor nacional. A nossa é o verde-amarelo. A deles, o preto. Nosso esporte é o futebol. O deles, o rugby. Nossa comida mais popular, o feijão. A deles, chesdale (um queijo do tipo cheddar). Nós temos jabuticabas. Eles, Wattie’s (petit-pois enlatados).
Nós usamos biquíni. Eles, camisa Swanndri. Não nos faltam macacos. A eles sobram carneiros. Aqui crescem coqueiros. Lá não há casa sem canteiro de flores. Nossas crianças se encantam com a Emília do Sítio do Pica-Pau Amarelo. As de lá, com a buzzy bee, que os irmãos Ramsay criaram nos anos 40. As nossas gostam de brigadeiro. As deles, do sorvete Tip-top.Nosso pássaro é o sabiá, que gorjeia no poema aprendido na escola. O deles é o kiwi, símbolo nacional e o mais estranho dos pássaros, pois não voa e sua plumagem parece mais um casaco de peles do que de plumas.Em 2006, o PIB per capita de US$ 6 mil no Brasil era menos de um quarto do PIB per capita da Nova Zelândia. O EPI do Brasil e o indicador subjetivo de felicidade dos brasileiros também são piores que os de lá. Com razão. Queimamos nossas matas, enquanto os neozelandeses cuidam de seu meio ambiente. E lá a polícia não usa armas, porque não precisa.
Para terminar. Se você ainda não leu o Sr. Pip, de Lloyd Jones, jornalista neozelandês, vá correndo à livraria. No livro, durante o bloqueio do governo de Papua-Nova Guiné à Ilha de Bougainville na década de 1990, um professor improvisado lê Grandes Esperanças, de Dickens, com um grupo de crianças. A voz da menina, dotada de imensa ternura, registra muitos anos depois: ele “nos pegou pela mão e nos ensinou a reimaginar o mundo, a ver uma possibilidade de mudança e abrir espaço para ela em nossas vidas”. (Eliana Cardoso é professora titular da EESP-FGVSite: www.elianacardoso.com - Jornal Estadão, 11/02/2008)

VIVEMOS A CRÉDITO

"Vivemos a crédito: nenhuma geração passada foi tão endividada quanto a nossa - individual e coletivamente (a tarefa dos orçamentos públicos era o equilíbrio entre receita e despesa; hoje em dia, os "bons orçamentos" são os que mantém o excesso de despesas em relação a receitas no nível anterior). Viver a crédito tem seus prazeres utilitários: por que retardar a satisfação? Por que esperar se você pode saborear as alegrias futuras aqui e agora? Reconhecidamente, o futuro está fora do nosso controle. Mas o cartão de crédito, magicamente, traz esse futuro irritantemente evasivo direto para você, que pode consumir o futuro, por assim dizer, por antecipação - enquanto ainda resta algo para ser consumido... Parece ser essa a atração latente da vida a crédito, cujo benefício manifesto, a se acreditar nos comerciais, é puramente utilitário: proporcionar prazer. (...) Os meios são as mensagens. Cartões de crédito também são mensagens. Se as cadernetas de poupança implicam a certeza do futuro, um futuro incerto exige cartões de crédito". (BAUMAN, Zygmunt. Medo Líquido. RJ, Zahar, 2008, pgs.16/17)

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

LUIS FERNANDO VERÍSSIMO na Caros Amigos

Vale uma olhada, sem necessidade de garimpar, folhar a Caros Amigos de janeiro de 2008 e ater-se à entrevista do Luis Fernando Veríssimo. Eis algumas pérolas:

Glauco Mattoso – Caro amigo Lufe: minha mãe, que é de Taubaté e morreu faz pouco, não acreditava em padres nem em políticos nenhum. E você?
Acho que esse é um sentimento comum, esse enfaro com políticos, depois de tantos escândalos e tanta hipocresia. E é perigoso porque acaba sendo um desencanto com a política e no fim com a própria democracia. Se fosse possível haver política sem políticos... Mas não dá, e o jeito é confiar nos políticos sérios e capazes que ainda existem. (...) Quanto aos padres, deixei de acreditar há muito tempo. Fui criado como católico, fiz primeira comunhão e tudo, mas o lado do meu pai, que era agnóstico, foi mais forte.

Vínicius Souto – O senhor disse certa oportunidade a célebre frase: “Às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data”. Diante disso, como enxergar a atuação das mídias independentes frente à grande imprensa? Acredita na efetividade delas na descoberta nacional além da penetração nos vários setores da sociedade?
O fato de hoje haver liberdade formal de imprensa no país como não existia na ditadura complicou um pouco as coisas, pradoxalmente. Naquele tempo, imprensa alternativa era a que, mesmo disfarçadamente, criticava a situação, hoje imprensa alternativa é a que não faz coro com a implicância quase unânime da grande imprensa com a situação. E o fato de você, em tese, poder escrever o que quiser em qualquer jornal tira um pouco do atrativo da imprensa independente, que não tem o apelo da coisa meio clandestina como tinham o Pasquim e o Opinião, por exemplo. Mas, pelo que sei, publicações como a Caros Amigos e a Carta Capital estão com boa penetração, e destoam com competência do coro dos grandes.

Marcos Zibordi - Você compartilha da opinião quase unânime de que o presidente Lula é analfabeto e precisa ler?
Olha, com algumas exceções, com o Costa e Silva, que confundia latrocínio com laticínio, fomos sempre governados por homens letrados, muitos deles intelectuais de nome, que conseguiram construir o país mais desigual e injusto do mundo sem cometer um erro de concordância.

Ana Luiz Moulatlet – O senhor acha que as grandes utopias acabaram, que o messianismo chegou ao fim? Há uma causa pela qual o senhor lutaria hoje?
Gosto daquela frase do Chesterton segundo a qual quando as pessoas deixam de acreditar em Deus não passam a acreditar em nada, passam a acreditar em qualquer coisa. As grandes utopias sociais acabaram, ou estão em recesso, mas o mais preocupante no mundo de hoje é o que as pessoas estão dispostas a acreditar, por mais irracional ou primitivo que seja. Há uma retribalização da humanidade em curso e a guerra entre os monoteísmos é apenas uma das evidências disso. As utopias pleo menos pressupunham um desejo de organização social pela razão, ou pelo altruísmo, mas o desejo dominante hoje parece ser o de embotamento da razão por um sentimento tribal, qualquer sentimento tribal. A causa pela qual vale a pena lutar é uma idéia de sociedade, daquilo que a Margaret Thatcher dizia que não existe, uma idéia de comunidade e justiça compartilhadas, acima das ambições individuais e da moral do mercado. (Excertos Caros Amigos- Entrevista, janeiro/2008 pg.26/33 – Um solo delicioso.)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Frases soltas

1) "O melhor lugar do mundo é um só: perto daqueles que amamos." (Na capa do livro: A doçura do Mundo - Thrity Umrigar, NFronteira, 2007)

2) "Ontem é história, amanhã é mistério e hoje é uma dádiva. Por isso se chama presente." (Brian Dyson - ex-presidente da coca-cola)

3) "As pessoas andam atrás de livros, as canções atrás de pessoas." (Manuel Rui Monteiro - escritor angolano - JB online (Entrevista) 08/12/2007)

4) "Para ela (a sexualidade), mais que para outras expressões da vida, existe a lei do dia em contraposição à lei da noite. De dia funcionam as conveniências, as regras morais e os comportamentos estatuídos. De noite funciona o instinto, a força da vitalidade espontânea, o desejo e todas as formas de sua satisfação." (BOFF, Leonardo e RIBEIRO, Lúcia. Masculino, Feminino - experências vividas. RJ, Record, 2007, pg.54)

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

O trabalho na saída do capitalismo

Antes de morrer, o filósofo André Gorz transmitiu, via fax, um texto, com a data de 17-09-2008, para a revista ÉcoRev’ um longo artigo intitulada O trabalho na saída do capitalismo. A página eletrônica Rue89, publica um extrato do texto que traduzimos e publicamos a seguir.

Eis um extrato do texto.

A questão da saída do capitalismo nunca foi tão atual. Ela se põe em termos e com uma urgência de uma radical novidade. Por causa do próprio desenvolvimento, o capitalismo atingiu um limite tanto interno quanto externo que ele é incapaz de ultrapassar e que faz com que seja um sistema que sobrevive por meio de subterfúgios à crise das suas categorias fundamentais: o trabalho, o valor, o capital.
A crise do sistema se manifesta no nível macro-econômico como também no nível micro-econômico. Isso se explica principalmente pela mudança tecnocientífica que introduz uma ruptura no desenvolvimento do capitalismo e arruína, por seus repercussões a base do seu poder e sua capacidade de se reproduzir. Tentarei de analisar esta crise, em primeiro lugar, sob o aspecto macro-econômico e, depois, nos seus efeitos sobre o funcionamento e a gestão das empresas.
1.- A informação e a robotização permitiram introduzir quantidades crescentes de mercadorias com quantidades decrescentes de trabalho. O custo do trabalho por unidade de produto não cessa de diminuir e o preço dos produtos tende a baixar. Quanto mais a quantidade de trabalho para uma determinada produção diminui, mais o valor produzido por trabalhador – sua produtividade – deve aumentar para que a massa de lucro realizado não diminua. Tem-se, assim, este aparente paradoxo que quanto mais aumenta a produtividade, tanto mais é necessário que ela aumente para evitar que o volume do lucro não diminua. A corrida em busca da produtividade tende assim a acelerar, os efetivos empregados tendem a ser reduzidos, a pressão sobre o pessoal endurece, o nível e a massa dos salários diminui. O sistema evolui para um limite interno onde a produção e o investimento na produção param de ser muito rentáveis.

Os índices atestam que este limite foi atingido. A acumulação produtiva do capital produtivo não para de regredir. Nos EUA, as 500 empresas do índice Standard & Poor’s dispõem de 631 bilhões de reservas líquidas; a metade dos lucros das empresas americanas provém dos mercados financeiros. Na França, o investimento produtivo das empresas do CAC 40 não aumenta mesmo quando os lucros explodem.

A produção não sendo mais capaz de valorizar o conjunto dos capitais acumulados, uma parte crescente destes conserva a forma de capital financeiro. Uma indústria financeira se constitui que não pára de afinar a arte de fazer dinheiro não comprando nem vendendo nada além das diversas formas de dinheiro. O dinheiro mesmo é a única mercadoria que a indústria financeira produz por meio de operações, nos mercados financeiros, cada vez mais arriscadas e cada vez menos controláveis.

A massa de capital que a indústria financeira drena e gera ultrapassa de longe a massa de capital que valoriza a economia real (o total dos ativos financeiros representa 160 trilhões de dólares, ou seja, quatro vezes mais do que o PIB mundial). O “valor” deste capital é puramente fictício: ele repousa, em grande parte, sobre o endividamento e o “good will”, isto é, sobre as antecipações: a Bolsa capitaliza o crescimento futuro, os lucros futuros das empresas, a alta futura dos preços imobiliários, os ganhos que poderão ser gerados pelas reestruturações, pelas fusões, concentrações, etc. As Bolsas se enchem de capitais e de seus rendimentos futuros e as famílias são incitadas pelos bancos a comprar (entre outros) as ações e os certificados de investimento imobiliário, a acelerar, desta maneira, a alta da Bolsa, a emprestar dos bancos somas crescentes à medida que aumenta o capital fictício da Bolsa.

A capitalização da antecipações do lucro e do crescimento anima o endividamento crescente, alimenta a economia com liquidez devido à reciclagem bancária da mais-valia fictícia, e permite aos EUA um ‘crescimento econômico’ que, fundado sobre o endividamento interno e externo, é, de longe, o principal motor do crescimento mundial (inclusive do crescimento chinês). A economia real torna-se, assim, um apêndice das bolhas especulativas mantidas pela indústria financeira. Até o momento, inevitável, em que as bolhas estouram, levando os bancos à bancarrota em cadeia, ameaçando com o colapso o sistema mundial de crédito, a economia real de uma depressão severa e prolongada (a depressão japonesa dura já quase quinze anos).

Tem-se acusado a especulação, os paraísos fiscais, a opacidade e a falta de controle da indústria financeira (particularmente os hedge funds), a ameaça de depressão, ou seja, o derrocamento que pesa sobre a economia mundial não é devido à falta de controle; ele se deve à incapacidade do capitalismo se reproduzir. Ele não se perpetua e somente funciona sobre bases fictícias cada vez mais precárias. Pretender redistribuir por meio da imposição as mais-valias fictícias das bolhas precipitaria o que a indústria financeira quer evitar: a desvalorização da massa gigantesca dos ativos financeiros e a derrocada do sistema bancário.

A “reestruturação ecológica” irá agravar ainda mais a crise do sistema. É impossível evitar uma catástrofe climática sem romper radicalmente com os métodos e a lógica econômica que reinam há 150 anos. Se se prolonga a tendência atual, o PIB mundial será multiplicado por 3 ou 4 vezes, de hoje até o ano 2050. Ora, segundo o relatório do Conselho sobre o clima da ONU, as emissões de CO2 deverão diminuir em 85% até 2050 se se quer limitar o aquecimento climático em 2º C, no máximo. Além dos 2º, as conseqüências serão irreversíveis e não controláveis.

Portanto, o decrescimento é um imperativo de sobrevivência. Mas ele supõe uma outra economia, um outro estilo de vida, uma outra civilização, outras relações sociais. Na sua ausência, o derrocamento só será evitado impondo restrições, racionamentos, alocações autoritárias de recursos característicos de uma economia de guerra. A saída do capitalismo, portanto, se dará de uma ou outra maneira, de modo civilizado ou bárbaro. A questão é somente de que forma se dará esta saída e qual a cadência com que vai se dar.A forma bárbara nos já é familiar. Ela prevalece em várias regiões da África, dominadas por chefes de guerra, pela pilhagem das ruínas da modernidade, os massacres e tráficos de seres humanos, tendo como pano de fundo a fome. Os três Mad Max eram relatos antecipatórios.

Uma forma civilizada de saída do capitalismo, ao contrário, raramente é analisada. A evocação da catástrofe climática que ameaça conduz geralmente a propor uma necessária ‘mudança de mentalidade”, mas a natureza desta mudança, suas condições de possibilidade, os obstáculos a serem superados parecem sufocar a imaginação.

Propor uma outra economia, outras relações sociais, outros modos e meios de produção e modos de vida é visto como algo ‘irrealista’, como se a sociedade da mercadoria, do assalariamento e do dinheiro fosse impossível de ser superada. Na realidade, uma multidão de índices convergentes sugerem que esta superação já iniciou e que as chances de uma saída civilizada do capitalismo dependem antes de tudo da nossa capacidade em distinguir as tendências e as práticas que anunciam a possibilidade.

2.- O capitalismo deve a sua expansão e a sua dominação ao poder que ele tomou, em um século, sobre a produção e, ao mesmo tempo, sobre o consumo. Ao expropriar, primeiramente, os operários dos seus meios de produção e dos seus produtos, ele foi assegurando, progressivamente, o monopólio dos meios de produção e a possibilidade de subsumir o trabalho. Ao especializar, dividir e mecanizar o trabalho nas grandes fábricas, ele fez dos trabalhadores os apêndices das megamáquinas do capital. A apropriação dos meios de produção pelo produtores se tornou impossível. Eliminando o poder daqueles sobre a natureza e a destinação dos produtos, ele garantiu ao capital o quase-monopólio da oferta, portanto o poder de privilegiar em todos os domínios as produção e o consumo mais rentáveis, como também o poder de fomentar o gosto e os desejos dos consumidores, a maneira pela qual ele satisfariam as suas necessidades. É este poder que a revolução informacional começa a romper. (IHU/Unisinos- 06/02/2008)